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ESSUATÍNI - “ASAMBENI!” VAMOS CONHECER AS TRADIÇÕES DA ANTIGA SUAZILÂNDIA

Público

2025-08-30 05:00:06

As mulheres que dançam e as que casam com o rei em Essuatíni Todos os anos, no início de Setembro, a antiga Suazilândia acolhe o Umhlanga, um festival sem paralelo que contempla a recolha de juncos para erguer uma nova cerca em volta da casa da rainha-mãe. a “O rei é como um professor: tal como o professor tem de saber o nome dos seus alunos, o rei tem de saber o nome das suas mulheres.” O homem, parcialmente calvo e com as têmporas grisalhas, provoca o riso geral no grupo ligeiramente afastado da entrada principal da esquadra da polícia de Lobamba, onde espero, com paciência de santo, que me entreguem a credencial para assistir ao Umhlanga Reed Dance, o maior evento cultural de Essuatíni (a par do Incwala, o festival sagrado da realeza). É durante este evento que Mswati III corteja uma futura noiva, uma liphovela, uma concubina, com quem pode casar apenas depois de esta engravidar. O actual soberano de Essuatíni, a antiga Suazilândia até 2018, ano em que se cumpriram 50 anos de independência do Reino Unido, nasceu em Mbabane, a capital do país, a 19 de Abril de 1968, tem 57 anos.com a morte do pai, Sobhuza teve mais de 70 mulheres , em 1982, Mswati III foi coroado príncipe em Setembro do ano seguinte e rei em Abril de 1986, uns dias após ter completado 18 anos. A conversa continua animada entre aquele pequeno ajuntamento. “E se tiver dificuldade em recordar o nome, o rei pode sempre numerá-las: mulher número um, dois e por aí adiante, à medida que as vai visitando nas suas mansões, onde, por norma, acaba o asfalto para dar lugar à terra batida.” Mais uma barrigada de riso. Todo o processo que conduz a estes casamentos não é assim tão linear como sugerem as conversas em voz baixa naquela manhã cheia de sol. As duas primeiras mulheres são seleccionadas por conselheiros especiais e nenhum dos filhos dessas poderá ascender ao cargo de rei. De acordo com a tradição, a primeira deve ser do clã Matsebula, enquanto a segunda terá de pertencer ao clã Motsa (há pelo menos 17 clãs fundadores do reino de Essuatíni mas o sucessor terá de ser sempre do clã Matsebula e filho, solteiro, da esposa principal, um estatuto que é conferido por uma equipa especial designada Liqoqo). A terceira já é uma escolha do soberano, independentemente de ser deste ou daquele clã, mas é recomendável que o rei contraia matrimónio com mulheres de distintos clãs para incentivar a integração nacional. Rochedos e tradições Ao fundo, para lá de um campo onde pastam vacas numa indolência semfim,recorta-se,contraocéude um azul-cobalto, Execution Rock. E, umas horas mais tarde, terei à minha frente o ainda mais imponente Sibebe Rock, colossal rochedo de granito cuja dimensão apenas é superada a nível mundial por Uluru, na Austrália. “Asambeni!” Ou, como se diz em português, “vamos”. E vamos, Sandile Mashaba e eu, agora, ao fim de duas horas de espera pelo documento que me credencia, bem-humorados, pela estrada que nos leva a Mantenga. Tendo a montanha Nyonyane (significa passarinho e é mais conhecida por Execution Rock, uma referência aos criminosos que eram lançados do pico) como fundo, este espaço cultural, erguido com materiais e técnicas autênticos, é uma réplica de uma aldeia suazi e um retrato de como era a vida na Suazilândia em meados do século XIX. Por ali passeio um corpo revigorado pelo ar puro da manhã, errando ao longo de construções para tentar perceber a utilidade de cada uma delas num conjunto onde não falta a do sangoma, o curandeiro. Mulheres, ainda jovens, cozinham ao ar livre e o fumo, azulado, que se assemelha a uma trepadeira ondulante; outras, não menos sorridentes, vão trançando o capim e produzindo bordados tradicionais com missangas. No interior de um recinto abobadado, suportado por traves de madeira a intervalos regulares que filtram os raios oblíquos do sol, um grupo de dança representa as rotinas diárias de sibhaca, a dança tradicional que é um momento de animação e inclui saltos que parecem impulsionados pelo ritmo dos tambores e dos cânticos. Não muito longe daquele que é um dos locais mais populares de Essuatíni, uma reserva, também designada Mantenga, protege uma pequena área de floresta intocada ao longo do rio Lushuswane. A principal atracção da Reserva Natural Mantenga é uma cas-cata (a maior, em volume, de Essuatíni), cujas águas se lançam sobre uma plataforma rochosa antes de formarem piscinas naturais que se estendem na fronteira sul do Santuário de Vida Selvagem de Milwane, outra reserva, mas com o estatuto de mais antiga do país e de Mãe da Conservação no reino. À excepção do hipopótamo, não espere ver nenhum dos Big Five, nenhum leão, elefante, búfaloafricano, leopardo ou rinoceronte. “Asambeni!” Vamos. O destino é Manzini, capital comercial do país e com um mercado que fervilha de vida e de cor, onde tudo se compra, menos tempo e o ar que se respira. E, mais tarde, visito a Ngwenya Glass e a Swazi Candles, onde artesãos elaboram delicadas peças em vidro e velas que seduzem os turistas, pouco mais de um milhão por ano. Naquela noite, depois de um dia intenso, entro no quarto e, antes de jantar, acendo a lareira e evoco a expressão suazi mani. E obedeço ao seu significado: espero. Grato naquela solidão, naquela atmosfera tão íntima, acabo por me decidir, não sem alguma relutância, a caminhar sob um céu tão cheio de estre-las até ao restaurante. Estou nas montanhas e faz frio. O corte do junco Os autocarros, velhinhos com idade tão difícil de definir como a das tartarugas, começam a chegar e a despejar crianças e mulheres de diferentesprovínciasdeEssuatíni com uma uma área de 17.364 km2, cinco vezes menos do que Portugal. Correndo paralela ao extenso parque de estacionamento, uma ampla avenida, bordejada de árvores onde esvoaçam as bandeiras do país, começa a assemelhar-se a um verdadeiro formigueiro humano, a euforia dos momentos que antecedem o Umhlanga. O evento prolonga-se por uma semana (este ano entre 2 e 8 de Setembro) e o primeiro dia é preenchido com o registo (por motivos de segurança) das meninas que se reúnem na aldeia real da rainha-mãe, em Ludzidzini (na época de Sobhuza era em Lobamba), onde são supervisionadas por grupos de quatro homens. “Essa vida comunitária é parte integrante do evento, fomentando a c unidade e a solidariedade entre as milhares de mulheres jovens de diferentes tribos que participam na cerimónia”, releva Nondumiso Mkhwanazi, responsável da comunicação do Turismo de Essuatíni. Disseminadas pelas cabanas de familiares na aldeia, por tendas e por salas de aulas em escolas próximas, todas elas vivem, de certa forma, horas de grande emoção e expectativa. A primeira vez que Henrietta Mdluli participou no Umhlanga tinha 11 anos. ”Lembro-me de usar as minhas próprias roupas e ténis de corrida. Não estava minimamente preparada para o que me esperava.” No segundo dia, as meninas (terão de ser solteiras ou sem filhos) são divididas em dois grupos: um que reúne as mais velhas (entre os 14 e os 22 anos), outro as mais novas (dos 8 aos 13). Quando a tarde desponta, todas, acompanhadas pelos supervisores, caminham até aos canaviais, as primeiras por vezes 30 quilómetros (se a distância for superior, como é o caso de Mphisi, perto de Mafutseni, o Governo disponibiliza transporte), as mais jovens nunca mais de dez, até Bhamsakhe, próximo de Malkerns. “A minha participação resumiu-se à caminhada até um lugar onde dormiríamos antes de cortar o junco no dia seguinte”, recorda, não sem alguma nostalgia, Henrietta Mdluli, hoje com 48 anos. Umas e outras cortam os juncos (a quantidade tem a ver com a idade, mas geralmente entre dez e 20 e o total é quase sempre um número ímpar) que depois amarram num feixe e, já no dia seguinte, rumam à aldeia da rainha-mãe, cada uma com o seu molho, uma romaria que repetem quando a noite cai para demonstrarem que “viajaram muito”. “Naquela primeira noite, acordei a sentir-me mal. Disseram-me que poderia ir para casa. Mas acabei por ficar com as outras meninas. Depois de regressar à residência real, pedi ao meu pai para me ir buscar. Sentia-me triste e exausta, principalmente porque ninguém me avisara de quão longa e desafiadora seria a caminhada”, relembra a rapariga. As meninas gozam, então, de um dia de descanso, ocupado com os preparativos das roupas de dança e dos penteados e, no domingo, abandonam por momentos os seus instrumentos de sopro em frente à residência da rainha-mãe e dirigemse para o recinto onde, durante duas ou três horas, cantam e dançam. Os juncos, esses, servirão para erguer uma nova cerca, guma, um quebra-ventos que está na base da tradição do Umhlanga. “Apesar de tudo, fiz alguns amigos da minha própria comunidade, Ludzeludze, um aspecto positivo que retirei de uma experiência difícil. Lembro-me das meninas a cantar músicas que compusemos durante a viagem para cortar os juncos,” enfatiza Henrietta Mdluli. Os dias das danças E chega o grande dia, feriado nacional e sempre a uma segunda-feira. As jovens, partindo em grupos com um intervalo de segundos, iniciam o desfile. Muitas têm corpos de mulher mas são de imediato traídas pelos seus gestos pueris, misturados com sorrisos que se perpetuam. É como um rio de cor, alegre, numa vaga que se multiplica e acompanhada de canções que não deixam ninguém indiferente. Aos poucos, o tapete verde onde vão dançar até já muito depois do crepúsculo enche-se de matizes, é como uma tapeçaria de múltiplas cores, e a assistência, outro mar de tonalidades, é contagiada por aquele frémito de energia. Nas bancadas, já cheias, produz-se, subitamente, um tumulto. Homens e mulheres, crianças e jovens, todos se levantam, com o olhar colonizado por um único ponto. “Bayethe Mhlekazi.” As palavras saúdam a chegada da rainha-mãe que, depois de transportada de carro, é conduzida em cadeira de rodas até um camarote. No último dia do festival, o rei orde-Big 5 em Mkhaya A vida selvagem no país dos contrastes na que um determinado número de cabeças de gado seja abatido para as raparigas. Logo que as danças terminam, há um banquete oficial e, quando regressam a casa, de novo de autocarro, levam, cada uma, um quilo de carne entre outras prendas, cada vez mais modernas. Essa tradição não é apenas uma forma de sustento para as milhares de jovens, é também um acto simbólico de agradecimento da monarquia pela sua participação e pelo papel desempenhado na defesa dos valores culturais suazis. As meninas continuam a encantar com as suas canções, roupas coloridas, danças. E nova onda varre a bancada e as palavras são entoadas em uníssono. “Bayethe.” A saudação destina-se ao rei e expressa, tal como a que se segue, “Wena Waphakathi”, o respeito e o carinho reservados ao monarca, ao mesmo tempo que reconhecem a sua posição como líder espiritual e cultural da nação. E, logo depois, os assobios, distintos e agudos, outra forma de saudar o soberano mas proeminente entre os regimentos masculinos, os emabutfo, os guerreiros tradicionais do monarca, não um exército a tempo inteiro mas mais uma força cerimonial e cultural, formada por homens, voluntários, de todas as idades e de todo o país. Como um trovão, eles exercem um verdadeiro magnetismo sobre os espectadores, fascinados com as suas tangas (emajobo) e os escudos (sihlangu), feitos das peles de vaca. O gado é um símbolo de riqueza e poder e está intimamente ligado a muitos rituais suazis, como os casamentos. Quando o guia Sandile Mashaba casou, a mulher já tinha um filho: 15 vacas foi quanto lhe custou. Mas para uma mulher virgem, um pai pede entre 17 e 20 vacas. Se for o rei, uma filha vale cem cabeças. Uns dias depois do Umhlanga, pergunto a Nondumiso Mkhwanazi se o rei escolhera mais uma noiva. A resposta não surpreende: “Não comento.” Talvez o monarca pense que já casou as vezes suficientes. LaMatsebula, LaMotsa, LaMbikiza, LaNgangaza, Magongo, LaMahlangu, LaNtentesa, LaNkambule, LaMashwama são mulheres que Mswati III escolheu, entre outras, umas já mortas, outras que partiram por se terem cansado de esperar por um homem que, tal como um bombeiro, não pode apagar todos os fogos. Conhecem-se alguns dos filhos do rei, como Sicalo, o mais velho, ou Sakhizwe, uma das maiores dinamizadoras e habitual participante do Umhlanga. Mas estima-se que Mswati III tenha entre 40 a 50 descendentes. É provável que o monarca não saiba o nome de todos. Não se pode exigir tudo a um rei ou a um professor. a O Embraer ERJ 145, um dos dois que compõem o total da frota da Eswatini Air, aterrara há poucos minutos e Sandile Mashaba, sorridente, embora visivelmente cansado depois de tantas horas de espera, deixou que se desenhassem nos lábios as palavras que me dão as boas-vindas. “Siyakwemukela.” São as primeiras horas de um novo dia, ainda imerso nas trevas, mas a luz dos faróis da viatura, vencendo os quilómetros da MR3, iluminam animais de um dos lados da auto-estrada. “Zebras”, diz Sandile Mashaba. Durmo poucas horas e, abrindo a porta, vejo um lago onde se banham os hipopótamos, a curta distância. Nos últimos anos, tanto os parques como as reservas nacionais de Essuatíni têm registado progressos, com especial ênfase na área da conservação, nos benefícios para a comunidade e no enriquecimento da experiência dos visitantes. Mkhaya, agora sob um céu cor de alfazema e tão impregnada de silêncios, é um dos bons exemplos dessa política que visa proteger a biodiversidade e as espécies mais ameaçadas de extinção, tendo alcançado algum reconhecimento internacional face ao sucesso dos programas de conservação de rinocerontes, com esforços contínuos para combater a caça ilegal, com equipas que utilizam, entre outros meios, cães farejadores. Encimando o esqueleto de uma árvore, avisto uma águia imponente. Essuatíni é, como confirmo ao longo da minha estada, um paraíso para a observação de pássaros, com um total de 500 espécies registadas, um número significativo para um país com uma área tão pequena e órfão de litoral. O trilho rasga a selva, a vegetação rasteira dá sinais de haver sido pisada há pouco tempo. Percebendo por onde passeio os meus olhos, Johannes Matsenjwa, há 16 anos a trabalhar como guia em Mkhaya, atira, antes de uma sonora gargalhada. “Os elefantes são os caterpillars da selva.” O sol rompe por entre as nuvens, as girafas olham por cima das árvores, mais à frente surgem elefantes, depois um rinoceronte, alguns bonitos pássaros e, após um café numa clareira, é a vez de os leões fazerem a sua aparição. Um deles, ora se mantém alerta, ora parece cabecear com sono. A par de Mkhaya, onde pode ser avistada a única manada de búfalos do país, o Parque Nacional Real de Hlane é um dos melhores lugares em Essuatíni para proporcionar encontros com animais selvagens, incluindo elefantes, hipopótamos, girafas, zebras e rinocerontes negros e brancos, entre outros, de maior ou menor porte mas seguramente um número elevado de antílopes. A caminho do aeroporto, sinto-me transportado para o presente mas grato por este passado tão recente, emoldurado pelo prazer da conversa, dos sorrisos autênticos, da hospitalidade, da bondade. Ao fundo, avisto, num hangar, o Airbus A340-300 do rei, um presente que ofereceu a si próprio em 2018, ano em que celebrou o seu 50.º aniversário. S.R. A recolha dos juncos é uma tradição fortemente enraizada num país com uma natureza por vezes intocada Summerfield Summerfield Boulevard, Matsapha Telef: + 268 76 41 96 62 E-mail: info@summerfieldresort.com www.summerfieldresort.comeDladleni Swazi Restaurant Essuatíni, Lobamba, MR3, Mnyamatsini, Mbabane Telef: + 268 76 23 32 04 E-mail: eDladleni@swazi.netwww.edladleni.100webspace.netO restaurante, o melhor em termos de gastronomia local, não tem um endereço físico, tome como referência a cascata de Mvubu. Os portugueses i necessitam apenas de passaporte com validade mínima de seis meses (é exigido visto se o período de permanência ultrapassar os 30 dias). As línguas oficiais são o suazi e o inglês. A moeda é lilangeni, indexada ao rand sul-africano a uma taxa de câmbio fixa (um euro equivale a 20,45). A forma mais prática para chegar ao aeroporto internacional King Mswati III é através da África do Sul, para onde não há ligações directas a partir de Portugal. Desde Joanesburgo, terá de recorrer à Eswatini Air ou à Air Link, as duas companhias aéreas que operam voos (50 minutos) com destino a Sikhuphe (cerca de 50 quilómetros de Manzini, a principal cidade do país). Pode pesquisar, como alternativa, Maputo e, uma vez na capital moçambicana, voar com a Air Link para Essuatíni (escala em Joanesburgo). A melhor altura para visitar Essuatíni é durante os meses secos de Inverno, entre Maio e Setembro, época do ano aconselhável para a observação da vida selvagem. Foresters Arms Hotel MR19, Mhlambanyatsi Telef: + 268 24 67 41 77/24 67 43 77 E-mail: info@forestersarms.co.za www.forestersarms.co.za Happy Valley Hotel Ezulwini Telef: + 268 24 17 81 00 E-mail: reservations@happyvalleyhotel.com www.happyvalleyhotel.com Sousa Ribeiro