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"ICNF NÃO MANDA NO PAÍS”, DIZ JOÃO GALAMBA- ENTREVISTA

Expresso

2025-08-18 21:06:51

João Galamba Economista e consultor de energia “o licenciamento é o maior obstáculo à transição energética" Foto TIAGO MIRANDA João Galamba foi secretário de Estado da Energia entre 2018 e 2022. Em 2023 não chegou a um ano completo como ministro das Infraestruturas de António Costa. E acabou por ser a área energética que marcou o ex-governante, agora consultor de empresas deste sector, como a Enline e a OHROS, e de organizações de defesa das energias renováveis, como a SolarPower Europe, Global Wind Energy Council e Global Renewables Alliance. P Foi ministro das Infraestruturas mas foi na energia que ficou a trabalhar. Porquê? R Porque é uma área fascinante, muito técnica, onde se investe pessoalmente, aprendendo. P Portugal está a abrandar o ritmo de instalação de capacidade solar. Isso é mais um problema para o país ou só para as empresas? R ê um problema para O país, que tem que aproveitar OS recursos renováveis abundantes e competitivos que tem. Há dois desafios, ambos importantes, a merecer atuação urgente. Um tem a ver com O licenciamento. outro com a manutenção das condições que assegurem a viabilidade económico-financeira do investimento em renováveis. Sobre o licenciamento, que considero ser o maior obstáculo que a transição energética enfrenta em Portugal, importa assegurar o alinhamento dos serviços do Ministério do Ambiente e Energia com as políticas do ministério e do país, assegurando, com urgência, o cumprimento das leis. Não precisamos de mais leis, precisamos que as existentes, para promover e facilitar O licenciamento dos projetos, sejam cumpridas pelas entidades do Ministério do Ambiente e da Energia. O principal interesse do ICNF Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, por vezes executado de forma cega e discricionária, é a conservação da natureza. Mas O ICNF não manda no país. O grande problema está na intransigência do ICNF, quase sempre discricionária e sem fundamento técnico contra projetos renováveis, e na APA Agência Portuguesa do Ambiente, quando transforma pareceres não vinculativos do ICNF num direito de veto, normalmente exercido por um técnico. Aí discordo das afirmações da atual ministra do Ambiente [Maria da Graça Carvalho]. Não há processo menos técnico do que OS das avaliações de impacte ambiental (AIA). Os pareceres que enformam as decisões das AIA é que são técnicos (ou deviam ser), não a decisão final. Quando esses pareceres e decisões boicotam a transição energética, impondo alterações que inviabilizam todos os projetos, o problema torna-se político. P Essa situação é recente ou já existia quando estava no Governo? R Quando era secretário de Estado da Energia já havia bastantes dificuldades, mas havia orientações claras da tutela para reconhecer a primazia da transição energética nos processos de licenciamento. No primeiro leilão solar, o ministro [João Matos Fernandes] criou, por despacho, uma task force para acompanhar o processo de licenciamento, que incluía a DGEG , Direção Geral de Energia e Geologia, a APA e O ICNF. P Mas havendo pareceres num determinado sentido, o que pode um Governo fazer? R O Governo pode emitir orientações claras. O que está a acontecer é que todos os pareceres do ICNF estão a ser interpretados como tendo um poder de veto. Para cumprir as metas, Portugal precisa de mais capacidade eólica, por exemplo. E uma boa forma de o fazer é através de projetos híbridos. Instalar 100 ou 80 aerogeradores no sul do Alentejo não me parece de todo um problema. Uma prioridade política devia ser dar particular atenção aos projetos híbridos. Além de orientações claras e responsabilização efetiva das lideranças da APA e do ICNF, no limite, com a lei em vigor, sobretudo após o DL99/2024, o Governo pode sempre decidir, por mero despacho, que o projeto pode avançar, em função do interesse público. P E como se concilia o desenvolvimento de grandes centrais solares ocupando áreas verdes com a conservação da natureza e biodiversidade? R O país tem instrumentos de gestão territorial com áreas definidas e regras claras, e as AIA devem ser um processo sério, rigoroso e participado que identifique os impactos e proponha as medidas de mitigação para minimizar esses impactos. Mas existem alguns preconceitos em relação à energia solar que assentam muitas vezes no desconhecimento e na desinformação, seja no impacto dos projetos (essencialmente visual), seja na área total ocupada (menos de 1% do território nacional) P No pacote de medidas para reforçar a segurança do sistema elétrico, após o apagão, o atual Governo anunciou a aposta nas zonas de aceleração de renováveis. ê uma boa iniciativa? R Não sei se é uma boa ideia na prática. Na verdade, até fui eu que iniciei esse processo em 2022. Mas vemos hoje o tempo que demora. Estas áreas devem ser verdadeiramente de aceleração, para a instalação de mais capacidade renovável. Não podem é promover uma discriminação negativa no licenciamento de outros projetos fora dessas áreas e, sobretudo, não podem servir de desculpa para adiar projetos ou atrasar ainda mais o licenciamento P No seu Governo o que é que não fez e gostaria de ter feito? R Não tive nenhuma responsabilidade na mobilidade elétrica e gostava de ter tido. Tal como gostava de ter dado um impulso maior à eletrificação de consumos energéticos, nomeadamente no sector industrial. Hoje, há que dar grande prioridade à mobilidade elétrica à eletrificação da indústria, que são críticos para melhorar as condições de investimento em nova capacidade renovável. Temos de olhar de forma integrada para a procura e para os investimentos necessários na instalação de energias renováveis. No mercado dos PPA [contratos de aquisição de energia] temos de ser mais criativos e, tendo em conta o custo e o risco crescentes das redes, temos de fazer tudo o que seja possível para valorizar a energia produzida localmente. Tivemos durante anos uma tendência de descentralização da produção, mas agora há uma oportunidade de descentralizar o consumo da indústria e levá-lo para perto dos parques eólicos e solares, encontrando formas de contratação de energia que possam ter forte redução do pagamento de tarifas de rede. Isto permite maximizar o valor da eletricidade renovável, transformando a produção descentralizada de eletricidade num indutor de industrialização também ela descentralizada nprado@expresso.impresa.p ENTREVISTA “Aposta no hidrogénio verde foi correta, mas será residual” O antigo secretário de Estado da Energia defende que o país deve apostar na eletrificação de consumos, que “terá para as empresas um efeito melhor que uma descida de IRC”, aponta João Galamba. P Foi um entusiasta do hidrogénio verde, mas essa onda parece ter perdido gás. A aposta foi errada? R Foi correta.com a informação existente na altura Portugal não podia estar fora. E nós não nos comprometemos excessivamente com fundos, estamos relativamente protegidos. Hoje creio que o hidrogénio verde terá um papel residual. Será importante para um ou dois sectores. Mas devemos dar prioridade à descarbonização dos consumos que não exigem a queima de gás a altas temperaturas, e que são a maior parte da indústria. Aí a indústria pode ser lescarbonizada de forma competitiva com eletrificação. Essa aposta terá para as empresas um efeito até melhor do que uma descida de IRC, alinhando as necessidades de competitividade com as de descarbonização. P Outro tema promovido pelo seu Governo e que parece adormecido é o da eólica no mar. Devemos avançar? R Não devemos tornar esse processo uma prioridade da política energética, mas devemos separar essa questão da expansão dos portos que lhe estava associada. e importante o ministro Pinto Luz ter avançado com esta estratégia para os portos. A aposta industrial é da maior importância para o país. No nosso Governo a prioridade foi o reequipamento eólico (em terra). Facilitámos o licenciamento. Na eólica offshore, por razões várias, houve um aumento de custos. A nossa perspetiva era que o custo fosse de EUR140 (por MWh), com tendência para baixar, mas a realidade mudou. P Há condições para Portugal desenvolver mais o parmazenamento de energia, por via hídrica ou com baterias? R Quando estava no Governo já havia estudos para quase 4 gigawatts de potência adicional de bombagem, estudos desde O Plano Nacional de Barragens e nunca concretizados, além de novos projetos, como o Minhéu, recentemente apresentado pela Iberdrola [central hidroelé- trica de bombagem junto ao complexo do Tâmega]. P Como é que esse potencial pode ser explorado considerando a oposição a projetos eólicos e fotovoltaicos? R e preciso que o Governo abandone a ideia de que o processo de Avaliação de Impacto Ambiental é técnico. No limite, os ministros podem aprovar projetos com DIA [declaração de impacte ambiental] negativa. P Não é um risco? R A governação implica assumir riscos, tomar decisões e ser responsável por elas. A essência da política é lidar com a pluralidade de interesses e decidir. O PS não geriu tão bem este equilíbrio, porque lhe interessou reforçar a dimensão (erradamente) técnica do processo de AIA. Depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, do RepowerEU e da revisão da diretiva das renováveis, há regras comunitárias, já transpostas, que já obrigam a reconhecer o superior interesse público das renováveis no licenciamento. Esse interesse deve prevalecer e pode ser sempre, no limite, via despacho, decidido pela ministra do Ambiente. P O que falta para que sejam aplicadas em Portugal? R Falta a autoridade de AIA perceber que a lei mudou. E falta que a ministra do Ambiente e da Energia perceba que tem um problema sério em mãos e faça alguma coisa. “Votaria em Seguro... mas sem qualquer entusiasmo” João Galamba abandonou o Governo em novembro de 2023, depois das suspeitas levantadas pela Operação Influencer e do impacto que a investigação teve na sua família. Deixou de participar na política ativa, mas continua a segui-la atentamente. P Como está o seu processo na Operação Influencer? R Está em estado desconhecido. Ainda não fui chamado uma única vez para ser ouvido. E já me ofereci para ser ouvido várias vezes. O que estranho é que os projetos que estiveram na base dessa investigação, como o lítio e o centro de dados de Sines, estejam a avançar normalmente, e o Ministério Público, que já tem impugnado vários licenciamentos de outros projetos de energias renováveis, não impugne estes que estiveram na base da Influencer. Acho bem que não impugne. Mas seria bom que as pessoas que viram a sua vida devassada também tivessem o mesmo direito. P Como é a sua relação com José Luís Carneiro? R Sempre me dei bem pessoalmente e politicamente. P Não tem uma liderança “frouxa”, como foi acusado? R e a liderança de que o PS precisa neste momento. O PS vai precisar de tempo para se reconstruir. P E o que acha do novo conselho estratégico? R Quando tem muitas pessoas... não é conselho nem é estratégico. Não simpatizo muito com esse conceito. P Em que é que errou Pedro Nuno Santos? R Teve azar no tempo. As circunstâncias não foram favoráveis. Mas também não soube posicionar-se. E se calhar não ganhou nada com uma tentativa excessiva de distanciamento face ao Governo anterior. P Que responsabilidade teve O PS na viragem à direita? R Talvez o partido pudesse ter assumido uma posição mais clara na separação da imigração legal e da ilegal e talvez pudesse ter antecipado os problemas que estavam a ser criados na habitação e nos preços das casas. Ao ter 40 pessoas a viver numa casa será impossível que uma só família tenha condições para vir a pagar o preço que é pago por 40. Responder a esse problema, sem diabolizar a imigração ou os imigrantes mas combatendo a fraude no arrendamento, talvez tivesse reduzido o problema. P Tendo o Chega o suporte eleitoral que já tem, como se deve lidar com esse partido? Faz sentido aideia de um cordão sanitário? R O Chega tem todo o direito a estar representado nos órgãos de soberania. Mas espero que o meu partido seja capaz de estabelecer esse cordão sanitário com um partido que tem ideias que repudio. O que vejo óno partido que lidera o Governo é que há uma tentativa de copiar o Chega. e uma capitulação. P Sente falta de ter uma presença ativa na política? R A energia é tão entusiasmante que funciona como metadona. e uma espécie de uma droga de substituição da política. E é muito melhor que a política. Dá menos chatices. P Em quem votaria nas presidenciais? R Considerando apenas os candidatos existentes?...com os existentes ou me abstinha ou votaria em António José Seguro. Mas sem qualquer entusiasmo. O ex-secretário de Estado da Energia diz que a energia é melhor que a política Em entrevista ao Expresso, João Galamba aponta o licenciamento como “o maior obstáculo à transição energética”. E14 EUR6 NaO PRECISAMOS DE MAIS LEIS, PRECISAMOS QUE AS EXISTENTES SEJAM CUMPRIDAS. O ICNF NaO MANDA NO PAíS a FALTA QUE A MINISTRA PERCEBA QUE TEM UM PROBLEMA SeRIO EM MaOS E DECIDA João Galamba diz que o mundo da energia “é muito melhor” do que o da política MIGUEL PRADO