PARA BRASILEIROS, PORTUGAL PEGANDO FOGO OS REMETE À DESTRUIÇÃO DA AMAZÔNIA: TRISTEZA
2025-08-17 08:35:07

De férias em Portugal, brasileiros dizem sentir tristeza enorme pelos incêndios que colocam em risco a população e os animais. Queimadas lembram devastação da Amazônia e do Pantanal. Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil. Acesso gratuito: descarregue a aplicação PÚBLICO Brasil em Android ou iOS. O fogo que consome as matas de Portugal e ameaça parte da população e animais, sobretudo no Norte do país, entristece a bióloga brasileira Suellen Figueiredo. De férias em terras lusitanas, ela ressalta que as chamas intensas, que desafiam os bombeiros, e os alertas emitidos pela Protecção Civil a remetem para tristes episódios no Brasil, de incêndios que, periodicamente, devastam a Amazônia e o Pantanal. "As imagens do fogo que coloca em risco pessoas e animais em Portugal são muito tristes. Sinto a mesma dor de quando nos deparamos com as queimadas na Amazônia e no Pantanal. Fico ainda mais triste em saber que esses incêndios também são recorrentes, ou seja, acontecem todos os anos sem que as autoridades, tanto de um país quanto de outro, ajam de forma preventiva", afirma a moradora de São José dos Pinhais, no Paraná. Os irmãos André Luís e Gabrielle Ramos, de Curitiba, também lamentam que parte de Portugal esteja sendo consumida pelo fogo. Eles sentiram o baque, principalmente, quando souberam dos incêndios na região de Piódão. Dias antes, os dois haviam passado por lá e se encantado com as belezas do local. "Tanta coisa destruída", lamenta Gabrielle. "Agora, é manter na memória as belezas que desfrutamos", acrescenta André. Quer receber notícias do PÚBLICO Brasil pela WhatsApp? Clique aqui. Na avaliação do cientista brasileiro Marco Freitas, depois da tragédia vivida por Portugal em 2017, quando 117 pessoas morreram e mais de meio milhão de hectares foram consumidos pelo fogo, acreditava-se que o país tinha aprendido a lição. Ele conta que, em 2018, ou seja, no ano seguinte às fortes queimadas, ele, que morava no município de Proença-a-Nova, participou de um grupo de trabalho, em que um dos membros era José Carlos Santos, sobrevivente de Pedrógão Grande. "Portanto, nunca pensei que veria cenário semelhante", ressalta. Subcomandante dos Bombeiros de Pedrógão Grande, Sérgio Lourenço é visto como herói na região por ter salvado muita gente na tragédia de 2017 Carlos Vasconcelos José Carlos, o Zeca, teve 90% do corpo queimado no incêndio de 2017 Carlos Vasconcelos Rui Rosinha, bombeiro voluntário, sobrevivente de incêndio e vice-presidente da Associação das Vítimas de Pedrógão Grande Carlos Vasconcelos Alberto Arnaut, comandante dos Bombeiros de Pedrógão Grande, o único indiciado pela Justiça por conta das mortes no incêndio de 2017 Fotogaleria Subcomandante dos Bombeiros de Pedrógão Grande, Sérgio Lourenço é visto como herói na região por ter salvado muita gente na tragédia de 2017 Carlos Vasconcelos Segundo ele, "as marcas físicas e emocionais que o homem carregava, coberto por uma proteção corporal quase integral, tornaram-se um símbolo silencioso da urgência de se mudar a forma como se lida com incêndios. O cientista assinala a urgência de se fazer investimentos capazes de evitar que tragédias se repitam - esse mesmo discurso, acrescenta, vale para o Brasil. Para ele, parte da solução está na tecnologia, que proteja os ecossistemas por meio da prevenção. Histórico de promessas Atual presidente da Associação das Vítimas dos Incêndios de Pedrógão Grande (AVIG), a funcionária pública Dina Duarte, é cirúrgica no entendimento sobre ações preventivas do Governo relacionadas ao problema. "Espero que se gaste na prevenção de incêndios tanto quanto que se gasta no combate ao fogo", frisa. A então presidente da Associação das Vítimas de Pedrógão Grande, a brasileira Nádia Piazza, quando da assinatura para a construção do Memorial em homenagem às pessoas que morreram no local em 2017, foi enfática ao antever novos focos de incêndios na região. "Temos todos que trabalhar, comunidade, Governo, Assembleia da República para a aprovação de leis que estão pendentes e de outras, se preciso", disse ela. A brasileira, que perdeu o filho de cinco anos e o ex-marido, de 50, no incêndio, fez outro alerta na ocasião: "Acreditem, quem anda por aqui já viu que isto é um barril de pólvora autêntico". Na visão de Nádia, aqueles que não lembram o passado estão condenados a repeti-lo, e a tragédia de 17 de junho de 2017 deveria assinalar "um verdadeiro holocausto em Portugal, pela destruição de vidas e bens". Foto Incêndios de 2017 continuam assustando os portugueses: 119 pessoas morreram Paulo Pimenta Segundo a atual presidente da associação, os gastos do Governo não estão resolvendo o problema. "Ou seja, se nós gastamos tanto a preparar as nossas aldeias e a equipar os nossos bombeiros para prevenir o pior, não está ocorrendo como deveria", frisa. No entender de Dina, continua-se a correr atrás do prejuízo e a pagar indenizações. "Como portuguesa, ver que, todos os anos, temos de correr atrás dos prejuízos é muito triste", sintetiza. A líder comunitária, que também perdeu familiares em 2017, destaca que, há muitos anos, defende o combate aos incêndios com a prevenção. "Deve-se começar logo, fazer as limpezas e a preparação das aldeias, das vilas e das cidades, porque os focos estão a chegar", diz. Na opinião dela, o país só pensa no curto prazo, não planejando o futuro. "Tenho dito que não deveríamos estar pagando indenizações, mas prevenindo e criando um país que tenha futuro", complementa. Na aldeia em que ela vive, Nodeirinho, 11 pessoas perderam a vida nos incêndios de 2017. Trauma permanente Exemplos da tragédia de 2017 se multiplicam, como o do microempresário José Carlos Santos, o Zeca, 45, de Pedrógão Grande, que, na época, realizava trabalhos de corte de árvores e arbustos na floresta nativa, semelhante ao que fazem os bombeiros, para evitar incêndios. Até hoje ele sofre com as consequências causadas pelo fogo. Zeca e outras pessoas foram salvas pelo subcomandante Sérgio Lourenço, um herói para a comunidade local, que enfrentou as chamas e sobreviveu para contar a história. O ex-bombeiro voluntário Rui Miguel Medeiros Antunes Rosinha, 47, dos quais 28 anos na corporação de Castanheira de Pêra, relembra, com os olhos marejados, os amigos perdidos e a ineficácia das providências oficiais no trato da prevenção. Aposentado por invalidez, ele conta que o que mais o preocupa é ver a repetição de fatos daquela época: três pessoas em um carro morreram carbonizados na frente dele, sem que pudesse socorrê-las. Rui Rosinha não entende como as autoridades não tomaram providências "após um acontecimento tão terrível, que atingiu centenas de pessoas, direta e indiretamente". Ele ficou internado três meses em coma e passou seis meses se recuperando num hospital na cidade do Porto e, depois, numa unidade da Universidade de Coimbra. Foram mais de 40 cirurgias. Os sentimentos, segundo ele, ainda são confusos e o atormentam até hoje, especialmente quando se lembra do amigo, também bombeiro voluntário, Gonçalo da Conceição, o Assa, 47, que pertencia à equipe dele. "Tínhamos a mesma idade, era meu amigo de escola desde a infância. Ele deveria estar aqui com a gente agora!", enfatiza. Foto Portugal está em alerta máximo por conta dos incêndios e do calor elevado PAULO CUNHA Tormento sem fim Para Rui Rosinha, a substituição das árvores naturais do lugar, como azinheiras, carvalhos, salgueiros e sombreiros, por eucaliptos, altamente inflamáveis, exige que se faça uma reorganização florestal na região para prevenção, "que pode durar mais de dez anos". Diz ele: "O eucalipto é rentável, por isso, cortaram as árvores autóctones". O ex-bombeiro prevê novos incêndios ainda neste ano. "É assustador, pois a mata está muito fechada, e o calor está muito forte", explica. Zeca e Rui relatam que, apesar do alívio de terem sobrevivido ao incêndio de 2017, ainda convivem com a dor dilacerante dos piores momentos de suas vidas. "Fiquei no meio do fogo e, ao tentar fugir, fui tragado pelas chamas", lembra Zeca. "Pessoas foram carbonizadas na minha frente, sem que eu nada pudesse fazer", acrescenta Rui. Salvo pelo subcomandante Sérgio Lourenço, mas com o corpo todo queimado, Zeca destaca que já realizou mais de 50 cirurgias plásticas para reconstituição do seu corpo dilacerado pelo fogo. "A minha história é muito longa", diz o agora motorista, com o olhar perdido, de quem não sabe como as coisas vão correr diante dos focos de incêndio que voltaram a atormentar Portugal. O herói Sérgio Paulo Henrique Lourenço, 54, subcomandante dos Bombeiros e, para muitos, o herói do lugar onde vive há mais de 50, diz que está habituado a incêndios em épocas de muito calor. Porém, ressalta que o ocorrido em 2017 foi incomum. "Nunca verificamos um mega incêndios com aquela carga e dimensão. Para se ter uma ideia, as pessoas se assustaram com o barulho provocado pelo fogo, saíram de casa e fugiram para o local das queimadas", lamenta. Para o bombeiro, a situação está cada da pior, porque a carga térmica está no mesmo nível da de 2017, o mato cresceu e não está sendo tratado como deveria e as aldeias se mostram despreparadas para situação semelhante A retirada dos feridos no incêndio de Pedrógão Grande e nas aldeias vizinhas é um fato que Sérgio não consegue esquecer. Um deles, o resgate de uma senhora que estava com a filha e as netas às margens da rodovia. "Tive a sorte de tirar uma senhora no meio da estrada e outra que estava deitada fora de um carro a arder. Não havia hipótese de tirar as meninas, porque a viatura estava completamente em chamas", afirma, emocionado. O resgate do Zeca ocorreu no início do incêndio, cuja velocidade era mais rápida do que as equipes de resgate conseguiam chegar no local. "Zeca foi o primeiro que apanhei, depois, foi o Victor e, em seguida, o Carlos. "O Zeca estava praticamente com 90 por cento do corpo queimado. Uma situação muito trágica ao ver uma pessoa a arder e nós pouco ou quase nada podíamos fazer. Foi muito complicado", frisa. Investimentos públicos O PÚBLICO Brasil foi a campo para saber sobre os investimentos anunciados pelo Governo para a prevenção de queimadas, mas encontrou, na Associação das Vítimas dos Incêndios em Pedrógão Grande, somente desconfiança. "Até agora, não vi nenhuma providência adotada que resolvesse o problema estrutural causador do fogo nas matas nativas", afirma Rui Rosinha, vice-presidente da entidade. Ele relembra que a associação foi uma iniciativa liderada pela brasileira Nádia Piazza. O ex-marido dela, Fernando Rui, e o filho, Luís Fernando, morreram queimados quando transitavam pela "estrada da morte", como ficou conhecida a rodovia N236-1. Somente naquele local morreram 47 pessoas. Os investimentos em prevenção anunciados pelo Governo até resultaram em uma ponta de esperança por dias melhores, mas que logo se dissipou. Em 2017, foram aplicados apenas 20% dos 143 milhões de euros prometidos. Em 2024, apesar do aumento de 61%, as verbas de 324 milhões de euros não se revelaram capazes de impedir as tragédias. Os recursos, de acordo com o Governo português, foram aplicados em ações preventivas, superando, pela primeira vez, os gastos com o combate a incêndios. Foram comprados aeronaves e helicópteros e, recentemente, o Ministério da Defesa anunciou a aquisição de dois kits para os aviões Hércules C-130, por 16 milhões de euros, que, segundo informou, servirão para o combate às chamas por via aérea. Em 2019, quando se anunciou a compra dos aviões KC 390, da Embraer, por 960 milhões de euros, o Governo assegurou que as aeronaves substituiriam a frota de aviões Hércules C-130, com 40 anos de idade, e teriam dupla finalidade, civil e militar, incluindo combate aos incêndios. Até hoje os novos aviões não foram utilizados nos enfrentamentos às queimadas. Comandante acusa estrutura O comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, diz, ao PÚBLICO Brasil, que os problemas causadores das queimadas são conhecidos. "O que posso dizer é que sabemos como os incêndios surgem, mas o problema é estrutural", afirma. Ele observa que a corporação tem função operacional e que, desde os incêndios de 2017, "a floresta continua desorganizada e ainda se mantém com uma carga térmica elevadíssima". O Estado e os proprietários dos terrenos, segundo o comandante, têm de limpá-los, pois "os incêndios arrancam com fogo sem controle e qualquer ignição torna-se um barril de pólvora". Para Arnaut, "o problema é dos governantes e dos particulares donos das áreas florestais". Ele assinala que existe a previsão de novos incêndios, mas que "os combatentes estão aptos a agir". Na visão dele, se realmente quiser evitar novas tragédias, o Governo deve fazer uma reorganização florestal, com limpeza do terreno e gerenciamento da floresta. Diante de tudo o que está se passando agora, Arnaut não se conforma com a acusação que lhe foi atribuída, depois de 38 anos na profissão, como o responsável pela tragédia de 2017. "Até julho deste ano, estava sendo arguido, e caiu tudo em cima de mim. As autoridades ficaram de fora, mas, felizmente, estou livre", diz. Sobre os investimentos em prevenção alardeados pelo Governo, o comandante de Pedrógão Grande declara que "as compras que fizeram ajudam, mas não resolvem". Ele assegura que "os meios aéreos ajudam quem está no terreno, mas não apagam incêndios". E reclama que "o apoio terrestre não recebeu verba alguma". Desde 2010 no comando da guarnição, Arnaut se diz amargurado e assinala que "o que aconteceu em 2017 vai perdurar" por toda a vida dele. "Foi um fogo extremo, que ultrapassou a capacidade humana. Violento e superou a todos. Sinto muito pelas mortes ocorridas", desculpa-se. Tecnologia de brasileiro O cientista brasileiro Marco Freitas, que tem uma empresa de tecnologia da informação (TI), decidiu buscar soluções para o combate a incêndios. "Foi um passo natural, para dar uma resposta tecnológica à dor, à memória dos que perderam a vida e à necessidade de prevenir antes que seja tarde", enfatiza. Foto Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa diz dar todo o suporte ao primeiro-ministro Luís Montenegro nas ações para o enfrentamento dos incêndios Daniel Rocha Drones, sensores térmicos e sistemas de alerta precoce passaram a ser a preocupação do cientista, com a finalidade de adotá-los como aliados determinantes ao lado de políticas de gestão de combustível, fogo controlado e capacitação técnica das equipes. Com esse foco, Freitas embrenhou-se na compreensão sobre o Plano de Intervenção para a Floresta 2025-2050, em que o Governo prevê um investimento total de 6,4 bilhões de euros, dos quais 26% serão dedicados à resiliência contra incêndios, com foco na vigilância, no combate inteligente e na prevenção. Nesse contexto, ele criou o projeto Monitore, que havia apresentado a um grupo de empresários logo após a catástrofe que atingiu Portugal, desenvolvido inicialmente em 2017 e interrompido em 2020 por motivos profissionais. No ano passado, o projeto ressurgiu, justamente quando o país passou a priorizar a prevenção contra os incêndios com base tecnológica. No entendimento de Freitas, o projeto consiste em uma rede descentralizada de monitoramento florestal, baseada em sensores ambientais, os quais seriam responsáveis pela coleta de dados em tempo real, como temperatura, umidade, vento e dióxido de carbono, entre outros, geridos por inteligência artificial. Além disso, a criação de uma rede em malha de wi-fi, com ampla cobertura do terreno e painéis solares como forma de garantir autonomia energética e conectividade. Para ele, com tecnologia e inteligência de dados, pode-se interpretar padrões e antecipar riscos. O sistema combina dados públicos de universidades e centros de pesquisa e informações recolhidas diariamente em campo. Assim, com algoritmos de aprendizagem automática (machine learning) e o histórico dos incêndios, pode-se identificar condições críticas antes que elas se manifestem efetivamente. Professor reclama gestão O professor aposentado Luciano Lourenço, especialista em gestão ambiental da Universidade de Coimbra, acredita que o problema enfrentado por Portugal não se trata apenas de falta de prevenção e de falha no combate ao fogo, "porque há toda uma série de causas indiretas, que conduzem às queimadas, como é o caso da gestão do combustível nas florestas". Para o especialista, a constatação da dispersão dos proprietários de terras em algumas áreas pequenas não rentáveis leva ao abandono. Na maior parte dos casos, não é feita a gestão do combustível que fornece a ignição do fogo. "Portanto, quando este não é gerido, acontece incêndios muito mais difíceis de combater", ressalta. O professor Luciano considera também que a população nas áreas do interior do país tende a diminuir ao longo dos anos, e essa situação amplia o abandono de propriedades. No fundo, diz ele, esse é o problema, que reflete a diminuição da ocupação de áreas florestais e a consequente falta de gestão das matas. Ele observa ainda que esses espaços são ocupados por uma população idosa, que não tem grande capacidade para intervir nas matas. Na avaliação do docente, é necessário um grande investimento para que a floresta possa ser gerida de outra forma, pois, muitas vezes os herdeiros de terras sequer sabem onde estão as suas propriedades. "Os novos donos das propriedades passaram a ser essencialmente urbanos e a viver em cidades distantes e as terras acabam por não lhes dar qualquer rendimento, apenas despesas", analisa. E arremata: as medidas de prevenção são estruturais e devem ser tomadas durante o ano todo, não apenas na época de incêndios. Promo App PÚBLICO BrasilUma app para os brasileiros que buscam informação. Fique Ligado! tp.lisarbocilbup@solecnocsavsolrac Carlos Vasconcelos