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CAPITULAÇÃO EUROPEIA

Visão

2025-07-31 21:07:03

Para evitar uma guerra comercial, que poderia ser dura e prolongada, a União Europeia optou por um acordo de rendição face às ameaças de Donald Trump. E, após semanas de negociações, acabou por aceitar a introdução de tarifas de 15% nas suas exportações para OS EUA.com que consequências? A União Europeia e OS EUA chegaram finalmente a acordo sobre as tarifas aduaneiras, ficando estabelecida uma taxa de 15% sobre todos os produtos europeus vendidos no mercado norte-americano e sem qualquer reciprocidade por parte dos bens ou serviços norte-americanos vendidos no espaço comunitário. Entre os líderes dos 27, muitos foram os que elogiaram a conclusão das negociações, entre os quais o pri-meiro-ministro português, admitindo que o compromisso estabelecido trazia “estabilidade e previsibilidade” às relações comerciais entre os dois blocos económicos. Mas também surgiram várias vozes a contestar o resultado destas negociações, como foi o caso do primeiro-ministro francês, François Bayrou, que considerou “um dia sombrio aquele em que uma aliança de povos livres, unidos para afirmar os seus valores e defender os seus interesses, se resigna à submissão”. Já Giorgia Meloni, primeira,ministra de Itália, prefere esperar para ver os pormenores. “Considero positivo que haja um acordo, mas se não vejo os detalhes, não consigo julgá-lo da melhor maneira”, justificou. E com alguma razão, pois ainda existem muitos detalhes para ser avaliados, logo a começar pelas incongruências que há entre os comunicados feitos pela Casa Branca e por Bruxelas. Os EUA dizem que o acordo prevê um tarifário único de 15%, enquanto Bruxelas salienta que a negociação prevê um teto de 15% para a generalidade dos produtos. Numa nota publicada na terça-feira, 29, a Comissão Europeia admite que haverá um “tratamento excecional” para alguns produtos estratégicos. Ou seja, a partir de 1 de agosto, as tarifas que OS EUA têm agora em vigor “sobre aeronaves e peças de aeronaves, produtos químicos, medicamentos genéricos ou recursos naturais irão regressar aos níveis anteriores a janeiro”. Europa dividida Dinamarca “As condições comerciais não serão tão boas como eram, e não por nossa escolha. e preciso encontrar um equilíbrio que estabilize a situação e com o qual ambos os lados possam conviver” , Lars Lúkke Rasmussen, ministro dos Negócios Estrangeiros Finlândia “o acordo traz a previsibilidade necessária à economia global e às empresas finlandesas. Mas o trabalho deve continuar para desmantelar as barreiras comerciais. Apenas o livre comércio transatlântico beneficia os dois lados” , Petteri Orpo, primeiro-ministro França “e um dia sombrio quando uma aliança de povos livres, reunidos para afirmar os seus valores comuns e defender os seus interesses comuns, se resigna à submissão” , François Bayrou, primeiro-ministro Alemanha “o acordo conseguiu evitar um conflito comercial que teria atingido duramente a economia alemã, muito focada na exportação, em particular no setor automóvel” Friedrich Merz, chanceler Hungria “Isto não é um acordo... Donald Trump comeu Von der Leyen ao pequenoalmoço. Foi isso que aconteceu, como, aliás, já suspeitávamos que iria acontecer. Em matéria de negociações, o Presidente dos EUA é um pesopesado, enquanto a presidente da Comissão Europeia é um peso-pluma” Viktor Orbán, primeiro-ministro Irlanda “Embora lamentemos que a tarifa básica de 15% esteja incluída no acordo, é importante que agora existam mais certezas sobre os fundamentos do relacionamento comercial UE-EUA, que é essencial para o emprego, o crescimento e o investimento” Simon Harris, ministro do Comércio Espanha “Valorizo a atitude construtiva e negociadora da presidente da Comissão Europeia. De qualquer forma, apoio este acordo comercial, mas faço-o sem qualquer entusiasmo” , Pedro Sánchez, chefe do governo Suécia “Este acordo não enriquece ninguém, mas pode ser a alternativa menos má. ? que parece positivo para a Suécia, com base numa avaliação inicial, é que o acordo cria alguma previsibilidade” , Benjamin Dousa, ministro do Comércio Impacto em Portugal Tarifas de Trump afetam mais de cinco mil milhões de euros de produtos portugueses. EUA são O quarto mercado de destino das exportações nacionais. A indústria farmacêutica poderá ser a mais afetada, mas há outros setores que sofrerão por tabela Apartir do dia 1 de agosto, as empresas portuguesas que exportam para OS EUA verão OS seus produtos serem taxados em 15% quando derem entrada nas alfãndegas daquele país. Ao todo, serão cerca de 5,3 mil milhões de euros de bens que passarão a ter este custo adicional. Em 2024, Portugal exportou um total de 79,3 mil milhões de euros, sendo OS EUA o nosso quarto maior mercado externo, responsável por 6,7% das nossas vendas ao exterior. ? primeiro-ministro, Luís Montenegro, congratulou,se com esta decisão e admite que o acordo traz “previsibilidade e estabilidade”, elementos “vitais para as empresas portuguesas e a economia”.com as tarifas definidas, a estabilidade dos negócios entre OS dois maiores bloCOS económicos do mundo pode estar garantida, mas ainda existem muitas contas a fazer por parte das empresas. Algumas já admitiram que irão assumir parte do novo custo, reduzindo as margens de venda, enquanto outras irão passar a “fatura” imposta por Donald Trump para O consumidor final, ou seja, OS cidadãos norte-americanos. Qualquer uma das estratégias acarreta riscos, pois no primeiro caso as empresas irão ter menos receita e, no segundo irão perder competitividade naquele que é um dos mercados mais competitivos do mundo. Um dos setores nacionais que poderão ser mais afetados pelas tarifas é a indústria farmacêutica, que no ano passado vendeu mais de 1,2 mil milhões de euros para OS EUA, O que representa 23% das nossas exportações para aquele país. Em abril, Donald Trump chegou a ameaçar impor tarifas de 200% para esta indústria, o que praticamente inviabilizaria a venda de medicamentos europeus nos EUA. A meta de 15% agora estabelecida permite a tal estabilidade de que fala Luís Montenegro mas, mesmo assim, ficará cerca de dez pontos percentuais acima da média das tarifas que existiam antes de Trump, que em média ascenderam a 4,7% para OS medicamentos importados. Embora não tenha O mesmo peso da indústria farmacêutica, o setor têxtil, que representa pouco mais de 8% das nossas vendas para OS EUA, poderá também sentir fortes efeitos derivados das tarifas, com a agravante de muitas empresas portuguesas dependerem quase exclusivamente do mercado norte-americano para a sua atividade. Quem também mostra fortes sinais de preocupação são OS vitivinicul, tores e a razão não é para menos. Uma em cada dez garrafas de vinho vendidas ao exterior tem como destino OS EUA. Um aumento de 15% no preço pode representar uma enorme perda de competitividade do nosso vinho naquele mercado. Ao todo, esta indústria exporta cerca de 100 milhões de euros para OS EUA e a entrada em vigor das tarifas é mais um problema a somar aos muitos que o setor já atravessa. E a situação pode ser ainda mais grave para as empresas exportadoras da Região do Vinho Verde, pois OS EUA são o principal mercado comprador deste produto português. Já a indústria automóvel, um dos grandes motores da economia nacional nos últimos anos, pode não ser diretamente afetada pelas tarifas em 2024 Portugal vendeu menos de três mil carros para OS EUA , mas OS efeitos colaterais poderão ser devastadores, sobretudo para a indústria dos componentes. Apesar de OS EUA representarem menos de 5% das vendas ao exterior, as fábricas nacionais são grandes fornecedoras de marcas vendidas no mercado norte-americano, como a Mercedes, a BMW ou a Porsche. E se as vendas destes veículos baixarem, as empresas portuguesas serão afetadas por tabela. Já em relação ao aço e ao alumínio, que atualmente têm uma taxa de 50%, a Casa Branca voltou a afirmar que esta tarifa é para manter, enquanto a Comissão Europeia diz que irão ser estabelecidas “quotas tarifárias” para as exportações da União Europeia, O que permitirá “reduzir as tarifas atuais de 50% e, ao mesmo tempo, garantir uma concorrência global justa”. NEGOCIAçóES PARALELAS No âmbito das negociações bilaterais, Bruxelas prometeu ainda comprar 650 mil milhões de euros de petróleo e gás natural dos EUA até ao final do termo do mandato de Donald Trump. No entanto, na opinião de alguns especialistas, esta poderá ser uma cláusula difícil de ser cumprida. O site de informação Politico, depois de ouvir vários especialistas em energia, considera-a “quase impossível de atingir”. Segundo Laura Page, analista chefe da Kpler, empresa que opera no setor das matérias-primas, este número é “completamente irrealista”. Desde 2022 que a União Europeia tem intensificado a compra de gás natural aos EUA, devido às sanções impostas à Rússia por causa da invasão da Ucrânia, “A compra de energia aos EUA permite diversificar ainda mais a origem dos nossos fornecimentos, o que contribui para aumentar a segurança energética da Europa”, admitiu Ursula von der Leyen. No ano passado, a União Europeia importou cerca de 375 mil milhões de euros em energia, dos quais 75 mil milhões foram provenientes dos EUA, o que significa que, para cumprir o acordo, as compras de energia aos EUA teriam de triplicar ao longo dos próximos três anos. Além disso, a UE deixaria de comprar a outros fornecedores que vendem o gás mais barato, como é o caso da Noruega, que fornece este combustível através de gasoduto. Mas não só. Segundo outro analista do setor, Homayoun Falakshahi, a União Europeia não tem capacidade de refinação para o petróleo de xisto, que é o predominante na produção norte,americana. A União Europeia compra 12% do seu petróleo e poderá alcançar, Ono máximo, um teto de 14%, salienta o chefe do departamento de análise da Kpler. “é realmente uma fantasia”, garante em declarações ao Politico. Entre as partes ficou ainda prometido o investimento europeu Onos EUA até um valor de 600 mil milhões de euros de empresas europeias em território norte-americano, uma verba que irá juntar-se aos 2,4 biliões que já foram aplicados por entidades europeias Onos mais variados setores de atividade daquele país. Este era um dos pontos-chave das negociações, pois desde o início do seu mandato Donald Trump tem insistido na intensificação da produção nacional de forma a criar postos de trabalho nos EUA. Ficou ainda prometida a compra de material militar norte-americano num montante que não foi quantificado, mas que Trump admitiu ser de “centenas de milhares de milhões de dólares”). Por fim, a União Europeia garantiu a possibilidade de adquirir até 40 mil milhões de euros em microprocessadores para Inteligência Artificial, um negócio que Bruxelas considera “fundamental para manter a vantagem tecnológica da União Europeia”. De fora ficaram as tarifas sobre os serviços, nos quais OS EUA têm um claro superavit sobre a União Europeia, sobretudo nas tecnologias. Aliás, no seu comunicado, a Casa Branca faz questão de realçar que foram analisadas as “barreiras injustificadas sobre o comércio digital” e que Bruxelas garantiu que não irá adotar, nem manter, tarifas de uso de rede. Por sua vez, Bruxelas diz que o acordo “serve os interesses económicos fundamentais da União Europeia em relações comerciais e de investimento estáveis e previsíveis” entre os dois blocos económicos. E termina lembrando que o acordo não é “juridicamente vinculativo”, mas permite que ambas as partes continuem a negociar até que seja possível implementar na íntegra “o acordo político”. NV pcsantos@visao.pt V Ursula von der Leyen Presidente da Comissão Europeia assina acordo das tarifas com EUA, mas tem sido alvo de críticas por parte de líderes europeus Após a assinatura do acordo, François Bayrou, primeiro-ministro francês, disse que aquele era “um dia sombrio” em que a Europa se “resignou à submissão” V Acordo Ursula Von der Leyen e Donald Trump assinam o documento que estabelece as tarifas alfandegárias sobre os produtos europeus V Legenda texto legenda texto legenda texto legenda texto legenda texto legenda texto legenda Bruxelas garantiu a possibilidade de adquirir até 40 mil milhões de euros de chips para IA, um negócio que considera “fundamental para manter a vantagem tecnológica da UE” Golfe Antes do encontro com a Comissária Europeia, Donald Trump fez uma partida de golfe com o filho Eric no seu resort na Escócia PAULO M. SANTOS