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UMA EFEMÉRIDE COM 90 ANOS - A SURPRESA LAGONDA

Motor Clássico

2025-07-21 21:06:06

Os ingleses rapidamente se apropriaram da corrida de Le Mans, considerando-a n por escárnio para com os gauleses , como uma corrida britânica realizada em França. Dando razão a esse chiste, em 1935, contra todos os prognósticos, o vencedor seria um insuspeito construtor inglês, a Lagonda, com o seu modelo M45. (TEXTO) EDITORIUM (FOTOS) A LAGONDA BENEFICIOU DE UMA INFORMAÇÃO ERRADA DOS COMISSÁRIOS DE PISTA, QUE CORRIGIRAM TARDE DE MAIS A CONTAGEM DE VOLTAS DOS DOIS PRIMEIROS CLASSIFICADOS Depois de quatro vitórias consecutivas da Alfa Romeo, que colocaram a marca de Milão apenas à distância de u m sucesso da Bentley, o foco da edição de 1935 estava previamente estabelecido pela imprensa especializada, esperando a generalidade dos observadores que a Alfa pudesse igualar o feito dos “camiões mais rápidos do mundo”, como chamava jocosamente Ettore Bugatti aos Bentley. Ninguém terá olhado com atenção para o resto da lista de inscritos a não ser a presença massiva dos construtores ingleses uma tendência que incomodava sobremaneira a imprensa francesa = e a saudada comparência de senhoras, num número que estabeleceu então um novo recorde. Não surpreendeu assim a presença de cinco Alfa Romeo, claramente devotados ao objetivo de vencer, para igualar o conjunto de resultados da Bentley, agregando alguns pilotos de primeiro nível como Lord Howe, Brian Lewis, Luigi Chinetti e Raymond Sommer, entre outros. Da mesma forma, também ninguém questionou a maciça presença de oito veículos da Bugatti, contando-se entre os pilotos inscritos ao volante da marca de Molsheim o nome de Bernardo de Sousa Dantas, o primeiro brasileiro a participar em Le Mans. Estas duas marcas de prestígio procuravam um “lugar ao sol” depois de perceberem que o seu tempo nas corridas de Grande Prémio, com o insolente domínio da Mercedes-Benz e da Auto Union, tinha acabado, obrigando-as a apostar nas corridas de Sport onde ainda podiam obter dividendos da sua tecnologia e da sua experiência em competição. Nesta edição de 1935, no conjunto das aparentes excentricidades, contava-se ainda um Duesenberg com um motor de 10 litros de cilindrada, inscrito sob o impulso do Príncipe Nicolas da Roménia, um anacrónico Lorraine = que fecharia aqui a extraordinária experiência da marca na competição francesa a estreia da Delahaye em La Sarthe e a presença de dois automóveis Lagonda, uma marca britânica pouco conhecida e em fase de pré-insolvência, o que redobrava a curiosidade e até a pertinência da sua participação. A DESCONHECIDA LAGONDA Wilbur Gunn, um americano cantor de ópera residente na Grã-Bretanha , onde manteve por algum tempo o seu desempenho lírico interessou-se pela mecânica ao ponto de construir um primeiro veículo com motor em 1899; era uma bicicleta ao qual acoplou um propulsor da sua própria conceção. Em breve, as traseiras da sua casa mais pareciam uma pequena fábrica de bicicletas a motor que Gunn produzia e vendia sob a designação comercial Lagonda, o nome de uma ribeira no Ohio. Em 1907, Gunn avançaria para a produção do seu primeiro automóvel Lagonda, mas só em meados da década de 1920, a marca daria nas vistas com o novo modelo 14/60 equipado com motores de 2,5 litros. Estes carros rapidamente mostraram as suas qualidades dinâmicas, não só pela potência dos motores como também pela impressionante capacidade de travagem. Um empresário das corridas de automóveis, Arthur Fox, tinha já inscrito um Lagonda 2,0 litros na edição de 1929 das 24 Horas de Le Mans e para 1935, apesar das notícias sobre a eminente insolvência da marca, não hesitou em inscrever dois modelos M45, equipados com o fantástico motor Meadows de seis cilindros em linha com 4,5 litros, conhecido pelo seu binário infindável. Os motores tinham 140 cv de potência nesta configuração de competição e a Lagonda cederia a Fox os dois chassis, com distância entre eixos mais curta, para além de alguns melhoramentos na suspensão e na travagem. Os dois M45 foram inscritos com os números 4 e 14, o primeiro entregue a Hindmarsh e Fontes, o segundo confiado a Benjafield, um antigo “Bentley Boy”, e Roland Gunter. UMA CORRIDA ESTRANHA A pista estava encharcada quando a corrida começou, nesse dia 15 de junho. Durante praticamente toda a prova choveu de forma intermitente, mas o suficiente para tornar o piso relativamente escorregadio de modo a exigir maior prudência dos pilotos. Raymond Sommer, em Alfa Romeo deverá ter recebido instruções claras da direção de equipa para forçar o andamento desde o início, o que o piloto francês assumiu de bom grado. Logo nas primeiras voltas, ultrapassou todos os outros pilotos e ocupou a liderança, mas pouco tempo UMA JOGADA QUE DEU CERTO Naquela época, todos os observadores da indústria automóvel britânica anteviam que a empresa não poderia continuar ativa por absoluta falta de liquidez e ninguém se surpreendeu que a marca fosse colocada em liquidação em 1935. A presença em Le Mans não representou qualquer esforço financeiro significativo para a Lagonda uma vez que os custos de participação foram assumidos por Arthur Fox, mas a jogada, sob o ponto de vista empresarial foi absolutamente certeira. Nessa altura, um empresário com grande nível de capitalização, de seu nome Alan Good, já tinha mostrado interesse em adquirin os ativos da marca, mas pairava ainda uma grande indecisão sobre o modelo de aquisição. Provavelmente, a participação com sucesso na prova francesa terá precipitado os acontecimentos e Alan Good acabaria por adquirir não só os ativos corpóreos como a própria marca. A empresa foi redesignada como LG Motors, mas manteve a marca Lagonda por razões comerciais óbvias. Alan Good trouxe outros ativos industriais para o grupo, incluindo motores a diesel marítimos, cuja produção passaria a dominar as antigas instalações da oficina mecânica, cuja capacidade instalada raramente era esgotada. Mas o maior ativo que Good trouxe para a Lagonda foi a contratação do brilhante engenheiro w. O. Bentley, cujo papel passou a ser o de desenvolver produtos para concorrer com a Rolls Royce e a Bentley, desenhando um motor v12 que haveria de ficar na história. UMA EDIÇÃO SUIGENERIS Para além da excecionalidade da vitória da marca britânica, a única em toda a história da competição francesa, a edição deste ano de 1935 caracterizou-se por outros factos incomuns ou raros que merecem a nossa atenção. o primeiro foi justamente destacado na época como uma medida clara da popularidade crescente das 24 Horas de Le Mans, correspondido pelo número recorde de participantes e que foi de 58 equipas = entre 59 inscritas. Um número impressionante a merecer reflexão. Depois, confirmando a evolução da apropriação dos pilotos britânicos da competição francesa, a edição de 1935 contou com a presença depois, após ter percorrido 69 voltas, teve de abandonar a corrida devido a problemas no circuito de combustível. Ao fim de sete horas de corrida, de forma absolutamente surpreendente, Hindmarsh e Fontes, ao volante do Lagonda M45 #4 encontravam-se na liderança da prova. Este facto refletia justamente o potencial do automóvel britânico e, em particular, o desempenho do motor Meadows, que praticamente não precisava de uma utilização intensiva da caixa de velocidades. Sensivelmente por altura das 12 horas de corrida, os britânicos Earl Howe e Brian Lewis ultrapassariam o Lagonda no seu Alfa Romeo 8C2300 LM. No início da manhã, no entanto, O Alfa dos pilotos britânicos seria obrigado a abandonar devido a um problema de motor, deixando apenas um veículo italiano na corrida, o dos franceses Stoffel e Dreyfus (Heldé), que ocupou o primeiro lugar. A equipa da Lagonda, todavia, teve capacidade de reação e, a seis horas do fim, voltou à liderança. de 37 veículos de marcas britânicas -= provenientes de sete marcas diferentes, isto é, Lagonda, Frazer-Nash, Riley, Aston-Martin, Singer, MG e Austin = ou seja, quase 64% de todos os participantes, basicamente concentrados nas classes de baixa e média cilindrada. Dos 28 veículos que terminaram a corrida, 22 eram britânicos, sendo que os dez primeiros classificados do indice de Performance vieram todos do outro lado da Mancha. Finalmente, uma referência para a presença feminina, que também bateu um recorde nesse ano, com dez presenças no total, oito das quais em quatro veículos. GOLPE DE TEATRO De repente, a uma hora do fim, Fontes entra na sua box com problemas de pressão de óleo. O atesto do lubrificante foi feito imediatamente embora, por precaução, tenham sido dadas rigorosas indicações ao piloto para que não ultrapassasse O regime de segurança do motor. No regresso à pista, Fontes estava duas voltas à frente da equipa Alfa Romeo. No entanto, a apenas 20 minutos do fim, o “speaker” da prova anunciava que Heldé tinha acabado de ultrapassar Fontes, colocando assim o seu Alfa Romeo 8C2300 LM na liderança. Como Fontes circulava a um ritmo mais moderado, o francês, de forma avisada, passou a “navegar à vista” controlando a sua distância para o Lagonda, poupando assim a sua mecânica. Mas quando faltavam apenas 5 minutos para o fim da corrida, os comissários perceberam que havia ocorrido um erro na contagem de voltas, revendo a classificação: afinal, o Alfa Romeo não estava na liderança.. estava sim 8 km atrás do Lagonda! Era tarde demais para encetar qualquer recuperação e, desta forma, o Lagonda M45, apesar de circular devagar, cumprindo o plano traçado pelos engenheiros da marca, venceria a corrida, dando à Lagonda a sua única vitória em Le Mans e, provavelmente, um futuro que até então se apresentava incerto. 08 24h Le Mans Centenário o surpreendente momento do Lagonda M45 vencedor das 24 horas de Le Mans de 1935, completando mais de 3000 km a uma média superior a 125km/h Lagonda M45 Rapide no final da prova de 1935, com os seus pilotos Luis Fontes e John Hindmarsh depois de terem percorrido 3 006,797 km a uma velocidade média de 125,283 km/h Depois de 24 horas de competição a alta velocidade e de um final carregado de dramatismo, a dupla da Lagonda comemora a vitória os melhoramentos introduzidos pela fábrica nos M45 de competição, nomeadamente 0 trabalho efetuado ao nível do rebaixamento da suspensão, produziram excelentes resultados no comportamento dinâmico do veículo A VIToRIA DO LAGONDA M45 EM LE MANS TERA PERMITIDO QUE O INVESTIDOR ALAN GOOD DECIDISSE ADQUIRIR OS ATIVOS DA MARCA DANDO-LHE UMA OPORTUNIDADE COM QUE JA NAO CONTAVA Um instantâneo interessante documentando uma das paragens na box do Lagonda M45 O LAGONDA M45 BENEFICIOU MAIS TARDE DA ENTRADA DE W. O. BENTLEY NA MARCA, QUE LHE DEU UMA NOVA ALMA 0 vencedor da classe de 1,5 litros 0 Aston Martin de Charlie Martin e Charles Brackenbury Apesar dos constrangimentos mecânicos nos últimos instantes da corrida, 0 Lagonda M45 vencedor efetuou as 24 horas da corrida à média de 124,56 km/h 0 incrível motor Meadows, aqui na configuração Rapid, foi utilizado por várias marcas britânicas, entre as quais a Lagonda JOSÉ BARROS RODRIGUES