pressmedia logo

AULA MAGNA - A CRESCENTE IMPORTÂNCIA DOS CTT

Açoriano Oriental

2025-07-21 21:04:15

Com mais de 500 anos de história, OS CTT , Correios de Portugal, S.A. (antigos Correios, Telégrafos e Telefones, daí a emblemática designação CTT) constituem uma das instituições mais antigas do país. Desde a sua criação em 1520, os CTT desempenham um papel essencial na ligação entre cidadãos, empresas e o Estado. Atualmente, e após a privatização realizada em 2014, a empresa vive uma fase de transição e tensão: a tentativa de conciliar a obrigação de garantir o serviço postal universal com os objetivos de rentabilidade e crescimento dos acionistas. Esse equilíbrio nem sempre é conseguido, e os serviços prestados apresentam visíveis fragilidades. Ainda assim, os CTT têm vindo a reforçar a sua posição no mercado, expandindo-se para áreas como a logística, os serviços financeiroS e o e-commerce, com resultados positivos. Nada que surpreenda muito quem esteja mais atento a estas matérias: calcula-se que o e-commerce mundial atinja este ano os 6,5 biliões de dólares, um verdadeiro festim para as cadeias de distribuição postal. A privatização dos CTT surge assim da necessidade de modernizar e tornar mais eficiente o serviço postal, diminuindo o peso do Estado na economia e aproveitando uma nova e lucrativa oportunidade de negócio. No entanto, apesar da alienação ter rendido cerca de 909 milhões de euros aos cofres do país, trouxe consequências importantes. Os investimentos deixaram de estar centrados apenas na qualidade do serviço universal, passando a privilegiar áreas mais lucrativas, como a entrega de encomendas, os contratos logísticos e o Banco CTT. Não obstante, os CTT têm registado um crescimento económico notável, especialmente após a pandemia de 2020. Apesar da forte queda nos resultados, devido à redução da correspondência física e ao impacto da crise sanitária, 2020 revelou-se decisivo para o futuro do grupo: o aumento do comércio eletrónico levou a uma explosão no volume de encomendas e entregas expresso, que cresceu mais de 26%. Este segmento tornou-se, desde então, o motor de crescimento da empresa. Em 2021, o resultado líquido mais do que duplicou, chegando a 38,4 milhões de euros, e em 2023 ultrapassou os 60 milhões. Em 2024, os rendimentos operacionais ultrapassaram os 1,1 mil milhões de euros , Gonçalo Goulart Mestre em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade dos Açores com o setor de encomendas e expresso a representar a maior fatia do negócio, superando, pela primeira vez, o correio tradicional. Outro fator fundamental para o crescimento da empresa tem sido o Banco CTT. Criado em 2016, este banco posiciona-se como uma alternativa simples, acessível e de baixo custo, particularmente atrativa para famílias e investidores de dívida pública. Em muitos pontos do país, é a única instituição financeira disponível fisicamente, sobretudo em localidades onde outros bancos encerra-ram balcões. A aposta em serviços como crédito habitação, contas ordenado e digitalização bancária tem ajudado a fidelizar clientes e a alargar o portefólio da empresa, consolidando OS CTT como um grupo multifuncional: postal, logístico e financeiro. Contudo, apesar deste sucesso financeiro e da diversificação dos serviços, persistem graves fragilidades no funcionamento da empresa. Um dos exemplos mais evidentes da ineficiência dos CTT prende-se com a gestão do reembolso do subsídio social de mobilidade, um apoio essencial para os residentes das regiões autónomas, particularmente dos Açores. Estes problemas afetam diretamente cidadãos que muitas vezes vivem em situação de maior vulnerabilidade económica, criando barreiras reais à mobilidade e aumentando o sentimento de isolamento territorial. Perante esta realidade, urge rever a viabilidade deste modelo. Uma das soluções passa pela descentralização do processo, permitindo que outras entidades, como juntas de freguesia ou até mesmo a Rede Integrada de Apoio ao Cidadão dos Açores (RIAC) possam assumir a responsabilidade pelo reembolso, com maior eficiência e capacidade de resposta. Apesar de compreender a importância do “adiantamento", uma alternativa se-ria a eliminação da necessidade de reembolso, permitindo que o passageiro pague apenas o valor final com o subsídio já aplicado no momento da compra do bilhete. Ambas as opções reduziriam drasticamente os transtornos vividos pelos açorianos e devolveriam confiança num apoio que, pela sua natureza, deveria ser simples, acessível e eficaz. ê de facto inaceitável que uma família açoriana seja obrigada a adiantar 2000EUR para sair do arquipélago, vendo esse montante retido até à viagem de regresso. Num contexto global em que as fraudes informáticas e os cibercrimes aumentam de forma exponencial, a importância do serviço postal tradicional adquire um novo peso. O correio físico, registado e assinado, continua a ser um meio seguro para o envio de cartões bancários, notificações judiciais, correspondência fiscal e documentos sensíveis. Em contraste com os meios digitais, muitas vezes vulneráveis a ataques, o correio tradicional oferece uma forma de comunicação mais monitorizável e controlada. Esta dimensão torna-se ainda mais crítica quando se trata da confiança do público no Estado, na banca e nos serviços de justiça. Se OS CTT não conseguirem garantir a integridade e a fiabilidade do serviço, estão a contribuir para a fragilização geral da segurança da informação no país. A missão dos CTT é, por isso, mais relevante do que nunca. A empresa tem a responsabilidade de garantir o serviço postal universal, assegurando que todas as pessoas, independentemente da sua localização geográfica, tenham acesso a um canal de comunicação eficaz, seguro e equitativo. Esta missão social, de coesão territorial e inclusão, não pode ser subjugada à lógica puramente comercial. O serviço postal tem de continuar a servir o país, mesmo em áreas não lucrativas, mesmo quando a tendência é cortar custos. Em suma, os CTT vivem um momento de crescimento e expansão, mas também de tensão estrutural. O seu sucesso financeiro recente, alavancado por áreas como a logística e os serviços bancários, é inegável. No entanto, para manterem a confiança dos portugueses, os CTT terão de reforçar o seu compromisso com o serviço público postal, centrando-se na qualidade do serviço e na experiência do cliente, sem descurar o bem-estar e as condições dos seus trabalhadores. Os governos, independentemente dos partidos que estejam ou não no poder, não devem abdicar da sua função reguladora, intervindo em setores estratégicos como são os serviços postais, tendo sempre como objetivo colocar a economia ao serviço das populações e não as populações ao serviço de eventuais interesses económicos e/ou financeiros. Daqui se conclui a crescente importância dos serviços prestados por uma empresa multicentenária e de missões plurifacetadas, como são OS CTT. Num mundo crescentemente digital, OS CTT devem garantir a coesão territorial, o acesso a serviços essenciais e a confiança nas ligações físicas e financeiras OProf. Vasco Garcia e um grupo da Universidade dos Açores assinam Aula Magna quinzenalmente à segunda-feira Gonçalo Goulart