ANÁLISE - O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: IDEALISMO OU AMBIÇÃO ALCANÇÁVEL?
2025-07-17 21:05:18

A CINCO ANOS DE SE CHEGAR AO PRAZO DEFINIDO PELOS PAÍSES DO MUNDO PARA IMPLEMENTAR EM PLENO A AGENDA 2030 PARA 0 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ANÁLISES INDICAM QUE ESTÁ QUASE TUDO POR FAZER E QUE, PARA PELO MENOS SE ALCANÇAR PARTE DO PROMETIDO, E PRECISO FAZER MAIS E FAZER MELHOR. Nos últimos dias de setembro de 2015, chefes de Estado e de governo e altos representantes nacionais, reunidos na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, adotaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Uma “decisão histórica” que lançou os países do mundo numa “grande jornada coletiva” para, até ao final desta década, erradicar a pobreza “em todas as suas formas e dimensões”, para combater a desigualdade “dentro dos países e entre eles”, para preservar o planeta, para criar “crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável” e para promover “inclusão social” Era essa a ambição. Há precisamente 10 anos, os líderes mundiais de então comprometeram-se a “trabalhar incansavelmente” para concretizar a Agenda 2030, reconhecendo a interdependência entre todos e cada um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). “Mapeámos o caminho para o desenvolvimento sustentável; cabe a todos nós assegurar que a jornada é bem-sucedida e que as suas conquistas são irreversíveis”, declaravam. Volvida uma década, e a menos de cinco anos de se chegar ao prazo definido para concretizar a agenda global do desenvolvimento sustentável, os objetivos traçados estão longe de estar minimamente alcançados. Em 2023, a ONU divulgou uma análise ao progresso feito até então na Agenda 2030, e os resultados surgiram em gritante contraste com a exultação com que os países a adotaram apenas sete anos antes. Menos de 20% das 169 metas definidas para a totalidade dos 17 ODS estavam no bom caminho para serem alcançadas até ao final da década. Quase metade apresentava desvios moderados ou significativos da trajetória desejada, enquanto em 37% não se tinha conseguido fazer quaisquer progressos ou, pior ainda, foram registados retrocessos face aos níveis de 2015. No relatório de progresso, os relatores da ONU diziam que os resultados salientavam “a necessidade urgente para esforços intensificados para assegurar que OS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável se mantêm no caminho certo” Do total de 17 ODS, 11 apresentavam metas cuja tendência levava a crer que seriam atingidas em 2030. Para os restantes, nenhuma das metas estava no caminho certo ou a progredir à velocidade desejada. A erradicação da pobreza, a educação de qualidade, o acesso a água potável e ao saneamento básico, o trabalho digno e o crescimento económico, a ação climática e a promoção da paz e da justiça são oS ODS que em 2023 não tinham qualquer meta a caminho da sua concretização em 2030. Esse é o quadro global. Contudo, o panorama europet não parece ser muito mais animador. ? DESENVOLVIMENTO SUSTENTãVEL NA EUROPA Publicada no final do passado mês de janeiro, uma análise ao estado da Agenda 2030 na Europa revela um enfraquecimento do ímpeto no progresso dos ODS e desafios “persistentes” aos níveis social, ambiental e de biodiversidade por toda a União Europeia (UE). Da autoria da organização não-governamental UN Sustainable Development Solutions Network (SDSN), criada em 2012 pelo então Secretário-Geral da ONU Ban Ki-Moon, o relatório salienta a necessidade de a liderança da UE “reafirmar o seu compromisso” para com Os ODS. Os especialistas apontam para “um atraso generalizado” na concretização da agenda do desenvolvimento sustentável na UE, com o ritmo do progresso nos ODS duas vezes inferior entre 2020 e 2023 ao que era no período entre 2016 e 2019. O documento destaca a persistência de dificuldades especialmente no que diz resþeito ao ODS 2, sobre o combate à fome, a promoção da segurança alimentar e a transição para uma agricultura sustentável, com os resultados a mostrarem que mudanças na alimentação “devem ser priorizadas para a sustentabilidade dos sistemas agro-alimentares” para melhorar os indicadores da saúde da população humana do bloco regional. “o mundo está cada vez mais perigoso, instável e incerto” dizia Guillaume Lafortune, vice-presidente da SDSN e primeiro autor do relatório, no dia em que foi divulgado. “A guerra e tensões geopolíticas entre grandes potências” explica, estão a afetar, quase 80 anos após a criação das Nações Unidas, milhões de pessoas em todo o mundo e a impedir o avanço do desenvolvimento sustentável “na Europa e globalmente” Essa falta de progresso nos ODS na Europa, ou pelo menos a falta de progresso ao ritmo que era desejado, pode, em parte, ser explicada pela aparente desvalorização do desenvolvimento sustentável como “bússola” para a ação política das principais famílias político-partidárias europeias, à altura da corrida eleitoral do ano passado. Uma análise aos manifestos eleitorais dos principais partidos ao nível europeu na corrida parlamentar de junho revela que oS ODS encontravam pouco eco nos programas políticos. De acordo com uma análise da rede europeia de especialistas Real Deal, publicada um mês antes das eleições, o Partido Ecologista Europeu era o único que mostrava “um compromisso evidente” para com os ODS, seguido de perto pelo Partido da Esquerda Europeia, comprometido com 12 ODS e parcialmente comprometido com três. Em terceiro lugar surge O Partido dos Socialistas Europeus, cujos partidos nacionais, em média, concorreram às eleições europeias do ano passado com um compromisso para com um dos ODS e um compromisso parcial com outros 13 ODS. Do outro lado do especto político, o Partido Popular Europeu e a Aliança de Liberais e Democratas para a Europa mostrava “os níveis mais baixos de compromisso” para com a Agenda 2030. Nenhum desses dois grupos políticos europeus, segundo a análise, se comprometia em pleno com qualquer um dos ODS, embora o primeiro demonstrasse um compromisso parcial com três e o segundo grupo com oito. Ainda assim, os autores da análise dizem que “olhando para os manifestos dos partidos, encontramos evidências que sugerem que continua a haver um compromisso para com a agenda transformadora em grandes áreas, apoiando OS ODS e a Agenda 2030” PORTUGAL: So UM ODS NO BOM CAMINHO, SEIS ESTAGNADOS E ALGUNS PRogressoS EM 10 No relatório de janeiro da SDSN, sobre o desempenho da Europa na Agenda 2030, Portugal surge em 22.0 lugar no índice europeu dos ODS, entre 41 países analisados, incluindo todos os 27 Estados-membros da UE, OS nove países candidatos à união, países que têm acordos de comércio livre com o bloco regional (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça) e o Reino Unido. De uma pontuação total de 100, Portugal arrecada 70,6 pontos, abaixo da média de 72,8 da UE, dos 71,2 da média do sul da Europa e longe dos 81,1 pontos da Finlândia, que surge no topo do índice pelo quinto ano consecutivo. A vizinha Espanha aparece na vigésima posição, com uma pontuação de 71,2. Segundo a análise, Portugal não atingiu ainda nenhum dos ODS, sendo que só no objetivo de combate à pobreza (ODS 1) parece estar no bom caminho para lá chegar até 2030, ainda que sejam reconhecidas dificuldades para consegui-lo. Os maiores desafios são identificados na promoção de consumo e produção sustentáveis (ODS 12), na proteção da vida no mar (ODS 14) e em terra (ODS 15), uma prestação insatisfatória agravada pelo facto de não se registarem avanços dignos de nota. Ao nível da erradicação da fome (ODS2), da ação climática (ODS 13) e da promoção da paz e da justiça (ODS 16) também se regista uma estagnação e a sua concretização enfrenta desafios significativos, embora não tão intensos como nos três ODS anteriores. De forma geral, a análise da SDSN indica que, dos 17 ODS, Portugal está estagnado em seis deles, a fazer progressos moderados em 10 e Ono caminho certo para concretizar um. No dia 25 de setembro de 2024 celebrava-se o Dia Nacional da Sustentabilidade e, para marcar a ocasião, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgava o progresso feito por Portugal rumo à concretização da Agenda 2030. Em Portugal, os 17 ODS ramificam-se em 179 indicadores específicos do contexto nacional, e a análise, que compreende o período entre 2015 e 2023, mostrava que embora o país tenha conseguido, nesses oito anos, uma evolução favorável na redução das desigualdades, no acesso à água potável e ao saneamento e no fortalecimento das energias renováveis, ainda há muito por fazer a cinco anos da data prevista para tornar o desenvolvimento sustentável uma realidade, tal como prevista na declaração adotada há 10 anos. Dos 179 indicadores analisados pelo INE, 99 registaram uma “evolução favorável”, sendo que, desses, 23 já alcançaram a meta. No entanto, 33 apresentaram “uma evolução desfavorável” e seis não registaram quaisquer alterações entre 2015 e 2023. Os restantes indicadores não foram avaliados por não haver dados adequados. Da totalidade dos ODS, os relativos à erradicação da fome, à igualdade de género, ao consumo e produção sustentáveis, à proteção da vida no mar e em terra e à paz e justiça são aqueles em que menos de metade dos indicadores tiveram uma evolução positiva. Ainda que se reconheça o apoio dado pelo Estado ao desenvolvimento do setor agrícola entre 2015 e 2022, os dados apontam que o aumento dos preços da alimentação, muito por causa da pandemia de COVID-19 e da guerra na Ucrânia, impede a concretização desse ODS. No campo da igualdade de género, a análise destaca que cada vez mais mulheres ocupam cargos de direção na administração pública, tendo já superado a marca dos 50%, mas continuam a existir “disparidades” nomeadamente ao nível da representatividade política. Também na área na sustentabilidade da produção e do consumo, O INE aponta uma tendência desfavorável no consumo interno de materiais, que subiu de 161,9 milhões de toneladas para 162,7 milhões entre 2015 e 2022. No resþeitante à proteção da vida no mar e na terra (ODS 14 e 15, respetivamente), a análise indica que a proporção de áreas marinhas protegidas aumentou para 7% em 2023, mas que estava ainda aquém dos 10% definidos para o final da década. De recordar que em outubro do ano passado, o Governo Regional dos Açores aprovou a criação de maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico norte, com 287 mil quilómetros quadrados de ecossistemas marinhos total ou altamente protegidos, pelo que a proporção de território marinho classificado em Portugal atingiu os 19%, sendo, por isso, de esperar que o desempenho de Portugal neste ODS seja hoje mais favorável do que era quando a análise do INE foi publicada. Sobre a proteção da vida na terra, o gabinete de estatística dizia que a proporção da superfície terrestre do país enquadrada como áreas classificadas manteve-se inalterada nos 22,6% entre 2015 e 2022. Contudo, dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sugerem que essa percentagem atualmente ronda os 36%, mas alguns cientistas, ouvidos pelo jornal Público em fevereiro deste ano, rejeitam esse número, dizendo que nele estão incluídas reservas da biosfera e geoparques que consideram não estar dotados dos critérios rigorosos que fariam deles verdadeiras áreas protegidas. Por fim, no campo da paz e da justiça, Portugal em 2023 registava indicadores com uma evolução “no sentido contrário do desejável apontava o INE, designadamente no que dizia respeito ao aumento do número de crimes de tráfico de pessoas, que aumentaram de 53 em 2015 para 92 em 2023, e à proporção de reclusos preventivos na população prisional, que passou de 16,2% para 21,8% no mesmo período de oito anos. Olhando para a “big picture” e apesar de celebrar o Dia Nacional da Sustentabilidade há dois anos, Portugal “não sai bem na fotografia” como disse a associação ambientalista Zero em reação aos resultados do relatório da SDSN. A título de exemplo, uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC), em janeiro passado, indicava que Portugal “não está a ser eficaz” nos seus esforços para implementar o ODS 9, que visa construir infraestruturas resilientes, promover uma industrialização inclusiva e sustentável e estimular a inovação. De acordo com o TdC, “a implementação em Portugal” do ODS 9 “não está a ser eficaz e está longe de assegurar o desenvolvimento sustentável de Indústria, Inovação e Infraestruturas nacionais” Os resultados da auditoria revelam “falta de clareza e de rigor sobre as responsabilidades das áreas governativas envolvidas” e “inexistência de uma coordenação efetiva” Além disso, os auditores apontam ainda que houve “demora õno levantamento do designado estado da arte ” e que "persistem dificuldades, por parte das áreas governativas, em identificar os instrumentos de planeamento e as medidas com contributo relevante para este ODS” Os MUNICIPIOS COMO “ACELERADORES” DA AGENDA 2030 Em outubro de 2019, António Guterres, Secretário-Geral da ONU, declarava, numa cimeira mundial dedicada ao poder local, em Copenhaga (Dinamarca), que “e nas cidades que a batalha climática será ganha ou perdida” e que as cidades estão “na linha da frente” dos esforços que visam o desenvolvimento sustentável. Um ano antes, Maimunah Mohd Sharif, na altura Diretora-Executiva da UN Habitat, o programa das Nações Unidas encarregue de promover cidades social e ambientalmente sustentáveis, tinha afirmado que “as cidades são espaços onde todos OS ODS podem ser integrados para fornecer soluções holísticas para os desafios da pobreza, exclusão e alterações e riscos climáticos” Estimativas apontam que até 2050 perto de 70% da população mundial viverá em cidades, intensificando desafios já existentes ao nível da gestão local dos territórios e, claro, à concretização do desenvolvimento sustentável. Num texto divulgado no portal online da Associação Nacional de Municípios Portugueses, o economista e presidente da direção-executiva do Fundo de Apoio Municipal, Miguel Almeida, salienta um “aumento do foco político” no desenvolvimento sustentável que tem levado os municípios a adotarem “iniciativas cada vez mais abrangentes” com vista à implementação da Agenda 2030 nos seus territórios. No entanto, não deixa de reconhecer que "nem sempre” essas iniciativas são fruto de uma estratégia bem definida ou “são concretizadas de acordo com uma metodologia desenvolvida de forma participada” incluindo “todas as partes interessadas na prosþeridade do território” O esþecialista considera que uma forma de acelerar a concretização da Agenda 2030 nos municípios pode ser através dos orçamentos municipais, “o principal documento de estratégia política das autarquias locais” Com esse instrumento, é possível promover “a otimização da gestão de recursos, da transparência e da participação dos cidadãos”, e, ao mesmo tempo, alinhar “as melhores estratégias de financiamento com Os ODS” Numi relatório publicado em 2024, a Plataforma ODSlocal mostrava que a “Edução de qualidade” (ODS 4), a “Agua potável e saneamento” (ODS 6) e "Proteger a vida marinha” (ODS 14) eram os objetivos nos quais os municípios portugueses apresentavam o melhor desempenho médio. A análise revelava também que “todos os ODS estão a metade ou mais de metade do caminho a percorrer até 2030” Em contraponto, o documento apontava que na ação climática (ODS 13), na erradicação da fome e promoção da agricultura sustentável (ODS 2) e na igualdade de género (ODS 5) Os municípios portugueses não chegaram a metade do caminho. Além disso, no que toca às cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11) e à produção e consumo sustentáveis (ODS 12) pode mesmo observar-se um retrocesso se as coisas continuarem como têm vindo a correr. Por isso, a Plataforma ODSlocal diz que esses cinco ODS “justificam maior empenho a curto prazo” Em entrevista à Green Savers neste Anuário, João Ferrão, Coordenador da Plataforma ODSlocal, enquanto membro do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, e investigador coordenador aposentado do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa, traça um quadro cauteloso no que diz respeito aos ODS nos municípios de Portugal. O responsável diz que, ao olharmos para os resultados dessa análise, devemos ter em conta a grande diversidade (ambiental, demográfica, social, económica) que caracteriza os municípios portugueses, sublinhando que “têm características muito diferentes, pelo que o caminho a percorrer por cada um deles para atingir as várias metas definidas para 2030 é bastante variável” A isso, o relatório acrescenta que “a evolução desigual dos municípios em relação aos ODS depende bastante da situação de partida de cada um deles” Em maio, num evento em Lisboa dedicado à sustentabilidade promovido pela Associação Portuguesa de Etica Empresarial (APEE), Beatriz Rodrigues, da consultora Pedra Base, descrevia os municípios como “aceleradores” da concretização da Agenda 2030. Apesar disso, alertava para um contexto de progressos lentos. Em 2024, apenas 42 municípios de Portugal já tinham estratégias para alcançar a neutralidade carbónica, 158 não tinham ainda planos de ação climática e só cinco apresentaram relatórios de sustentabilidade. Por tudo isso, Beatriz Rodrigues concluía, ecoando persþetivas idênticas no que ao contexto global diz respeito, que “a este ritmo, nenhum dos ODS será alcançado em 2030” em Portugal. Análises de escopo mundial apontam que, na melhor das hipóteses, os países conseguirão cumprir em pleno apenas um dos 17 ODS, tendo dificuldades para alcançarem dois. Como se ouviu nesse evento, embora os municípios há muito trabalhem nas questões do desenvolvimento sustentável (ainda que, porventura, não com esse nome), parece que persistem desafios na conversão de ações e projetos positivos, mas isolados, em políticas públicas concretas e coesas, que permitam alinhar os instrumentos de gestão autárquica e as responsabilidades dos municípios com os desígnios da Agenda 2030. João Dinis, diretor do departamento de ação climática da Cascais Ambiente e um dos participantes no evento da APEE, dizia que existe qualidade e competência técnica nas autarquias para alcançar os ODS ao nível local, mas isso tem de ser apoiado por “compromissos políticos” para a sua efetiva concretização. DESENVOLVIMENTO SUSTENTaVEL: AMBIçaO IDEALISTA OU DESIGNIO ALCANçaVEL? Tendo em conta o tremendo atraso que os países do mundo levam no que toca aos ODS eà Agenda 2030, será legítimo questionarmo-nos sobre a exequibilidade dessas ambições, pelo menos dentro dos prazos definidos há 10 anos. A crise da pandemia de COVID-19 e as guerras às portas dos países mais ricos e industrializados, com todas as repercussões económicas e políticas daí advindas, são frequentemente apontadas como fatores que têm impedido avanços mais significativos rumo ao desenvolvimento sustentável e tudo aponta para que muita coisa ficará por fazer quando esta década chegar ao fim. Parece que o que se antevê para a Agenda 2030 é semelhante ao que se viu com o plano antecessor, os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), que pretendia, entre 2000 e 2015, resolver muitos dos problemas mundiais que persistem aos dias de hoje e que muito provavelmente voltarão a ficar por resolver no âmbito da Agenda 2030: erradicar a fome e a pobreza extremas, promover a educação de qualidade e a igualdade de género e assegurar a sustentabilidade ambiental. Em 2016, numa entrevista publicada no site da Sociedade Real de Geografia, a investigadora Katie Willis, da Universidade de Londres, destacava como os principais marcos positivos dos ODM as “melhorias notáveis” ao nível da saúde, especialmente as “reduções significativas” na mortalidade infantil e materna e nas infeções por HIV, malária e tuberculose. Contudo, apontava que O ODM no qual se fez menos progressos foi na sustentabilidade ambiental, o sétimo objetivo, “com a maioria das metas a não serem cumpridas” Para a geógrafa do desenvolvimento, uma das principais diferenças entre as agendas dos ODM e dos ODS é o maior foco que a segunda coloca sobre as questões ambientais, contendo mais do que um objetivo para essa área, e o facto de abranger todos os países do mundo e não somente os do chamado “Sul Global” O facto de, de uma agenda para a outra, passarmos de oito para 17 objetivos pode ser um entrave à concretização dos ODS, sugeria Katie Willis, mas, para ela, a maior barreira eram “as desigualdades económicas e de poder político a diferentes escalas” E, quase em jeito de predição, afirmava que alguns dos ODS, entre eles destacadamente os relacionados com o ambiente, "exigem alterações significativas na forma como as pessoas, especialmente no Norte Global, vivem as suas vidas” E de esperar, tal como aconteceu em relação aos ODM, que, a nível global, a maioria dos ODS fique por cumprir e que a Agenda 2030 dê lugar a uma outra que procure, uma vez mais, alcançar o que no passado não se conseguiu. Um editorial publicado na revista científica Nature em junho de 2024 dizia que, embora desistir não seja uma opção, “este plano para acabar com a pobreza e alcançar a sustentabilidade ambiental claramente não está a funcionar” Num artigo de comentário divulgado na mesma publicação, com o título “Extending the Sustainable Development Goals to 2050 , a road map”, uma dezena de investigadores dos Estados Unidos da América, Reino Unido, Alemanha e Suécia dizia, há um ano, que “é claro que a maioria, senão todos” os ODS ficarão por cumprir, com apenas cerca de 20% das metas no caminho certo para serem alcançadas até 2030. Esse grupo defendia que o prazo da Agenda 2030 deveria ser estendido por mais 20 anos, com metas intermédias para 2030 e 2040 e “metas finais” para 2050 "que se alinhem com a ciência e mantenham ambições nacionais e globais elevadas, mas alcançáveis” Uma outra equipa de mais de meia centena de cientistas acredita que para acelerar a implementação da Agenda 2030 é preciso deixar de ver OS ODS como sendo unidades estanque e passar a encará-los como elementos interconectados e interdependentes. Num artigo publicado no passado mês de outubro na Nature Communications, os investigadores defendiam que é preciso compreender as interações entre os vários ODS e conceber estratégias que as tenham em conta e que permitam “promover múltiplos ODS em simultâneo, assegurando que os esforços numa área não conflituam com o progresso noutra” Além disso, salientavam a importância de aplicar modelos que permitam prever os impactos a longo-prazo de políticas que visem os ODS, ajudando a fazer os ajustes necessários para ser possível alcançá-los. “o desenvolvimento sustentável exige um entendimento profundo da interconexão entre as atividades humanas e os sistemas ambientais”, apontava Klaus Hubacek, da Universidade de Groningen (Países Baixos) e um dos autores desse artigo. “Ao incorporar pensamento sistémico e soluções baseadas na ciência, podemos criar políticas que não apenas respondem a desafios imediatos, mas também criam benefícios duradouros tanto para as pessoas como para o planeta” sentenciava. Apesar do quadro desanimador, parece resistir uma centelha de esþerança de que, se o mundo puser já mãos à obra e se empenhar (política, económica e socialmente), é ainda possível cumprir pelo menos parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Contudo, se a História servir de bússola para o futuro, a menos de cinco anos do fim do prazo, e com diversas crises em curso e com a intensificação de algumas delas, é uma esþerança que começa a desvanecer, com muitos olhos já postos nas décadas vindouras e muitas mentes já a pensar em como se pode, nos próximos anos, conseguir fazer o que até 2030 muito provavelmente não será feito. “Devagar se vai ao longe” diz a sabedoria popular, mas resta saber quando é que lá chegaremos e se ainda iremos a tempo para fazer as mudanças que há décadas se sabe que precisam de ser feitas, mas ques por isto ou por aquilo, tardam em acontecer, sendo constantemente eclipsadas por outras prioridades. G 08 ANALISE 0 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: IDEALISMO OU AMBIÇÃO ALCANÇÁVEL? A cinco anos de se chegar ao prazo definido pelos países do mundo para implementar em pleno a Agenda 2030 para 0 Desenvolvimento Sustentável, análises indicam que está quase tudo por fazer e que, para pelo menos se alcançar parte do prometido, é preciso fazer mais e fazer melhor. Em 2023, menos de 20% das 169 metas definidas para os 17 ODS estavam no bom caminho para serem alcançadas até ao final da década. Quase metade apresentavam desvios moderados ou significativos da trajetória desejada. -é nas cidades que a batalha climática será ganha ou perdida” e as cidades estão “na linha da frente” dos esforços que visam o desenvolvimento sustentável, António Guterres, Secretário-Geral da ONU. é de esperar, tal como aconteceu com Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, 4UG, a nível global, a maioria dos ODS fique por cumprir e que a Agenda 2030 dê lugar a uma outra que procure, uma vez mais, alcançar o que no passado nao se conseguiu. Filipe Pimentel Rações