DOIS ANOS DE OPERAÇÃO PICOAS. FUGA AO FISCO, NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E AUTOMÓVEIS APREENDIDOS DOMINAM PROCESSO
2025-07-11 21:04:56

O Ministério Público acredita que só em ceda de IRS a filha de Hernâni Vaz Antunes obteve benefícios indevidos que se aproximam dos três milhões de euros. Revelação consta da resposta do procurador Rosário Teixeira ao recurso da empresária que pede a devolução da caução de 500 mil euros. Operação Picoas realizou-se há dois anos. Nuno Tiago Pinto Dois anos após as buscas e detenções da Operação Picoas e um ano depois de terem cessado quase todas as medidas de coação, Jessica Antunes quer que o Estado lhe devolva a caução de 500 mil euros prestada no final de julho de 2023. Para isso e após a recusa do Ministério Público (MP) m a filha do empresário Hernâni Vaz Antunes, um dos principais arguidos do caso Altice, apresentou um recurso no Tribunal da Relação. Em resposta enviada aos juízes desembargadores, a que o Nascer do SOL teve acesso, o procurador Rosário Teixeira defendeu que não só a caução deve manter-se como é bastante favorável à arguida, que considera uma peça central do esquema montado por Hernâni Vaz Antunes e Armando Pereira. Motivo: desde as primeiras buscas e detenções a investigação permitiu determinar que, só em sede de IRS, Jessica Antunes obteve benefícios indevidos que ultrapassam os 2,6 milhões de euros. De acordo com a documentação consultada pelo Nascer do SOL, o recurso de Jessica Antunes deu entrada no final de outubro de 2024. Os seus advogados, Pedro Duro e Joana Avelino Gomes, recordam que após as detenções da operação Picoas, a filha de Hernâni Vaz Antunes ficou sujeita às medidas de coação de apresentações periódicas, proibição de sair do país e de contactos com os arguidos, de movimentar contas bancárias e de uma caução de 500 mil euros um valor que seria proporcional aos fundos que recebeu e ao benefício ilegítimo em IRS por colocar o domicílio fiscal no estrangeiro. A caução, escreveram no recurso, acabou por ser paga com um empréstimo feito pela sua mãe. Todavia, um ano depois, em julho de 2024, como cessaram as outras medidas de coação após o decurso do prazo máximo de aplicação (sem ter havido acusação), à exceção do Termo de Identidade e Residência, pediu a devolução da caução , o que foi negado pelo MP. No recurso para o Tribunal da Relação, os advogados escrevem que a sua manutenção seria uma espécie de «caução carcerária» e que não se pode aceitar que «500.000 subsistam como uma espécie de depósito para pagamento de multa por falta injustificada da arguida a ato processual a que deva comparecer». Algo que seria, dizem, «desproporcional». Na resposta às alegações da defesa, enviada ao Tribunal da Relação já em janeiro deste ano, O Ministério Público argumenta que a posição da defesa de Jessica Antunes suporta-se numa «visão redutora da finalidade e dos justificativos para a aplicação e vigência de uma medida de caução» e entende que a mesma continua a justificar-se. No mesmo documento, a que o Nascer do SOL teve acesso, o procurador Rosário Teixeira recorda os factos que levaram à imputação a Jessica Antunes dos crimes de corrupção ativa no setor privado, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e falsas declarações. São esses factos, na visão do MP, que a colocam como uma peça central do esquema investigado na Operação Picoas, que passam pela obtenção de negócios através do pagamento de contrapartidas indevidas a administradores do Grupo Altice. Esses negócios abrangiam o fornecimento de equipamentos e serviços relacionados com telecomunicações como também de mobiliário para escritórios e lojas ou a compra e venda de imóveis da Altice. De acordo com o MP, Jessica Antunes «aderiu e colaborou» para o desenvolvimento de «uma estratégia» montada por Hernâni Vaz Antunes e Armando Pereira que passava pelo aproveitamento da capacidade de influência deste último para atribuir contratos a sociedades do primeiro, bem como pela «criação de entidades intermediárias entre fornecedores internacionais e a Altice». Segundo o MP, para colaborar na gestão financeira desses ganhos e executar a sua repartição, através da criação de sociedades nos Emirados árabes Unidos (EAU), em 2016 Jessica Antunes informou a Autoridade Tributária que tinha alterado a residência para Ajman , apesar de ter continuado a viver em Braga. Era nos EAU que estavam sedeadas duas sociedades fundamentais para os negócios de Hernâni Vaz Antunes: a HVJA General Trading FZC e a Jana General Trading LLC, da qual Jessica Antunes tinha uma participação de 9%, e que foi usada para controlar outras firmas e para figurar como trader em fornecimentos para o Grupo Altice. Diz o MP que até 2021 a Jana obteve resultados acumulados que atingiram os 140 milhões de dólares. Outra sociedade fundamental no esquema seria a Global Gold International Commercial Broker LLC, da qual Jessica Antunes tinha 2%, que controlava várias firmas com negócios com a Altice. Segundo o MP Jessica Antunes participou na estratégia para manter oculto o nome do pai: assumiu «todos os contactos relacionados com a utilização da Jana General Trading como intermediária para fornecimentos ao Grupo Altice, incluindo a Altice da República Dominicana, incluindo quanto ao recebimento de pagamentos dirigidos às contas da mesma entidade». Uma das empresas subsidiárias, a Shar SA, faturou ao Grupo Altice fornecimentos de 157 milhões entre 2016 e 2022, beneficiando de taxas de imposto reduzido uma vez que, entende o MP, estava falsamente registada na Zona Franca da Madeira (ZFM). O mesmo aconteceu com a sociedade Vintagepanóplia que faturou 71 milhões, pagando de imposto 4,8 milhões de euros por estar registada na ZFM, quando devia ter pago 16 milhões. Já a Edge Technology faturou 71,9 milhões de euros. Sobre esses resultados pagou uma taxa reduzida de imposto de 13,9 milhões quando, diz o MP, deveria ter pago 28 milhões. Foi nestas distribuições que os procuradores do MP encontraram impostos em falta à própria Jessica Antunes. «A evolução da investigação permitiu quantificar que, mesmo em sede fiscal e atendendo apenas à percentagem formalmente detida pela Jessica Antunes nas entidades Jana General Trading LLC e Global Gold International Commercial Broker LLC, a ora recorrente foi beneficiária de rendimentos que, entre 2016 e 2023, somaram, pelo menos, EUR5.574.653,90, que deveriam ter sido declarados em Portugal, onde a arguida residia de facto, pelo que o montante de IRS devido e não pago pela arguida será superior a 2,6 milhões de euros». Além disso, o MP revela que continuam em investigação novos montantes sacados sobre as sociedades nas quais os «arguidos haviam imposto serem detentores de participação, sob pena de não conseguirem contratos de fornecimento com o Grupo Altice». Uma delas será a sociedade Shar, que veio a ter de pagar, «já após as detenções» mais de «três milhões de euros para afastar a sua sócia Shar Holding, com registo no Luxemburgo e participada pela arguida Jessica Antunes». Para o MP, a investigação confirmou as suspeitas apresentadas no primeiro interrogatório judicial. Por isso, Rosário Teixeira entende que «a proporcionalidade do montante da caução não deve ser aferida aos montantes das sanções por faltas injustificadas a atos processuais, mas sim aos valores do dano gerado pelas condutas criminosas», razão pela qual subsiste um equilíbrio «muito favorável à arguida, relativamente ao montante de 500 mil euros arbitrado para a caução». Mais: «Entendemos que o montante de 500 mil euros» «continua a ser necessário para garantir a eficácia dissuasora da medida relativamente ao incumprimento dos deveres que recaem sobre a mesma, não só em sede do cumprimento de futura pena efetiva de prisão como de acautelamento dos perigos de fuga e de perturbação do inquérito que subsistem». Contactado pelo Nascer do SOL, o advogado Pedro Duro não quis esclarecer se já existia alguma decisão do Tribunal da Relação. Negócios imobiliários: sete milhões de lucro sob suspeita MP suspeita que empresas de Hernâni Vaz Antunes usaram dinheiro de negócios com a Altice para comprar imóveis da operadora, vendendo-os com lucros de milhões. Defesas diz que transações foram normais. Uma parte da chamada Operação Picoas centra-se na investigação à compra e revenda de imóveis que pertenciam à Altice por parte de empresas do universo empresarial de Hernâni Vaz Antunes. Uma análise recente da Autoridade Tributária sustenta que as firmas controladas pelo empresário obtiveram mais-valias de sete milhões de euros apenas com três dos sete negócios imobiliários feitos com O Grupo Altice. Mais do que isso: o dinheiro usado para pagar os imóveis terá provindo de negócios com a própria Altice, obtidos através da influência de Armando Pereira. Algo que a defesa dos principais arguidos contesta. De acordo com relatório da Autoridade Tributária (AT), datado de 16 de janeiro deste ano, a que O Nascer do SOL teve acesso, a maioria dos imóveis em causa foram comprados pela Almost Future SIC Imobiliária Fechada, SA. Ao longo dos anos, a empresa foi detida por várias outras entidades, como a Vintagepanoplia, Lda, a Edge Technology, Lda, ou a Maratona Vanguarda, Lda. Estas por sua vez eram detidas por outras companhias cujo beneficiário final, acredita o Ministério Público (MP) e a AT, era Hernâni Vaz Antunes. A prova é que, no final de julho de 2020, já após a última escritura ser assinada, foram feitas alterações ao capital social da Almost Future em que Hernâni Vaz Antunes surge como detentor de 70% do capital, estando 10% divididos pela sua mu-lher e pela sua filha e 20% pela Edge Technology Lda e pela Vintagepanóplia SA. Segundo o inspetor tributário Paulo Silva, que assina o relatório, a Almost Future foi «destinatária de verbas provenientes dos negócios das sociedades controladas pelos suspeitos com as sociedades pertencentes ao Grupo Altice, verbas essas que foram canalizadas para a aquisição de imóveis ao próprio Grupo Altice, bem como para a aquisição de imóveis a outras entidades». De acordo com a análise da AT, em 2018 a Almost Future comprou seis imóveis a empresas do grupo Altice. Três pertenciam à MEO Serviços de Comunicações e Multimédia e os restantes à Portugal Telecom Imobiliária. Ao todo, a Almost Future prometeu pagar um total de 17,7 milhões de euros, que dariam ao Grupo Altice uma mais valia de 1,8 milhões. Todavia, sustenta a AT, Sô com a venda de um dos edifícios, na Rua Visconde de Santarém, a Almost Future lucrou 3,3 milhões, com o contrato de compra e venda a ser realizado quando a empresa de Hernâni Vaz Antunes já tinha um comprador para esse imóvel. Um sétimo imóvel , conhecido por edifício SAPO localizado na Avenida Fontes Pereira de Melo, no centro de Lisboa, foi vendido pela MEO à Smartdev, Lda, por sete milhões de euros. Para o MP, os negócios e os ganhos «decorreram de uma parceria entre Armando Pereira e Hernâni Antunes, salvaguardando sempre a identificação do primeiro dado ser um acionista de referência do grupo, como tal, quaisquer operações deste com o grupo teriam de ficar espelhadas no Relatório e Contas», o que não era desejado por eles. Dado que «Armando Pereira não exercia qualquer cargo na administração do grupo, seria necessário ainda, para facilitar os negócios, que o presidente executivo da Altice Portugal, da Altice», Alexandre Fonseca, estivesse «em conluio com Armando Pereira e Hernâni Antunes». Alexandre Fonseca só foi interrogado e constituído arguido já este ano, negando qualquer interferência nas transações. OS NEGÓCIOS EM CAUSA Uma das principais transações sob suspeita diz respeito a um prédio na Rua Visconde de Santarém. O contrato promessa de compra e venda foi assinado a 4 de junho de 2018, mas a escritura realizou-se apenas a 21 de maio de 2019, quando a Almost Future já tinha encontrado um comprador. Pagou quatro milhões de euros com verbas oriundas de outras sociedades com negócios com o grupo Altice como a Edge Technology e a Shar SA , e, no mês seguinte, vendeu o edifício ao Marathon , Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, por 7,3 milhões, obtendo uma mais valia de 3,3 milhões. Esta verba, segundo a análise da AT, viria a servir para pagar outros dois imóveis. O primeiro tratava-se de um prédio na Rua da Moeda.com contrato promessa assinado em agosto de 2018, a venda foi feita um ano depois por dois milhões de euros. Após obras de remodelação, o edifício foi vendido em dezembro de 2020 por 2,9 milhões a sociedades relacionadas com os suspeitos. De acordo com a AT, neste caso as mais-valias são difíceis de avaliar porque o imóvel sofreu obras profundas. O segundo foi um edifício na Rua D. Estefânia, pelo qual a Almost Future pagou 3,7 milhões a 29 de outubro de 2019. Uma parte das verbas teve origem também na Edge Technology. A Almost Future comprou também um prédio na Rua Andrade Corvopor 2,1 milhões de euros, com dinheiro oriundo da Vintagepanóplia e da Edge Technology. O edifício teria dois apartamentos duplex, cujos destinatários seriam Hernâni Vaz Antunes e Armando Pereira. Em maio de 2022 foi transferido para a Vintagepanóplia por 3.444.000 euros. Já um prédio na Rua Conde Redondo foi comprado em julho de 2020 por 3,8 milhões e revendido em outubro do ano seguinte por 6 milhões. Um outro edifício na Rua Tenente Espanca, adquirido em julho de 2020 por 2,1 milhões, foi vendido em novembro de 2021 por 3,6 milhões.com estes dois negócios foi obtida uma mais valia de 3,7 milhões. O sétimo imóvel negociado pela Altice , o chamado edifício SAPO , foi vendido à sociedade Smartdev, Lda, que tinha como sócios formais Gil Loureiro e Abel Barbosa, para que, diz a AT e o MP, o negócio não fosse «associável a Hernâni Antunes». Escutas captadas na época demonstram, segundo a AT, que é Hernâni Antunes quem tem poder de decisão na Smartdev e na Almost Future. A escritura foi feita a 2 de março de 2020 por 7.000.000 euros, com verbas oriundas de sociedades com negócios com a Altice. A 21 de dezembro de 2020 foi vendido à Almost Future por 7.500.00 euros. Ao todo, a Altice alienou imóveis a empresas da esfera de Hernâni Vaz Antunes e Armando Pereira no valor global de 24 milhões, com um lucro de 1,8 milhões. Só com os edifícios vendidos a entidades estranhas aos arguidos estes geraram mais-valias de 7 milhões. ELEMENTOS ASSOCIADOS Para os inspetores da AT, alguns negócios imobiliários do universo empresarial de Hernâni Vaz Antunes terão servido ainda para premiar dois elementos fundamentais no esquema de captação de negócios com o Grupo Altice. Um seria Olivier Sansane, diretor comercial sénior da Meo , Serviços de Comunicações e Multimédia que, em 2019, comprou uma casa em Leça da Palmeira à Almost Future, por 620 mil euros. Todavia, os auditores da empresa alertaram os seus responsáveis que o valor nunca foi pago nem cobrado. A AT encontrou também sociedades francesas que serviriam para canalizar vantagens a Olivier Sansane, nomeadamente verbas para comprar um imóvel, vindas da Smartdev. Outra pessoa de interesse será Olivier Duquesne, diretor de venda e marketing na Cisco Systems France. Segundo a AT, é «muito próximo dos arguidos e por tal facto tem retirado benefícios económicos diversos, que se indicam como compensação pela viciação do processo de contratação, designadamente na questão Cisco/Aciernet». Duquesne terá tido vantagens na aquisição de um pré- dio em Matosinhos à Vintagepanóplia bem como viagens e férias para a família pagas pela Jana General Trading, LCC, empresa registada nos Emirados árabes Unidos. Terá retirado ainda benefícios na aquisição, à Almost Future, de um imóvel que tinha sido comprado à Altice, através da firma Jacques Real Estate Lda. Tinha outra empresa, a Jreds Services Unipessoal, Lda, que só faturou em Portugal a empresas dos arguidos, como a Smartdev e a Edge. «Indica-se que seja remunerado, de várias formas, pelas entidades controladas pelos suspeitos, por eventual intervenção a favor daqueles nas operações que envolvem o fornecimento por parte da Aciernet de soluções de rede da Cisco à Altice», escreveu Paulo Silva. A VERSÃO DAS DEFESAS Ao longo do processo, Hernâni Vaz Antunes e Armando Pereira têm defendido a legitimidade dos negócios imobiliários, considerando-os normais e feitos a preço do mercado. Tem também justificado as mais-valias obtidas com as obras de recuperação feitas em vários edifícios, com a obtenção de determinadas licenças que os valorizaram, defendendo até que se não fossem as burocracias na Câmara Municipal de Lisboa já poderiam ter lucrado muito mais, dado o crescimento dos preços no mercado imobiliário. Logo nos primeiros interrogatórios judiciais a que foram sujeitos na sequência da Operação Picoas, Hernâni Vaz Antunes e Armando Pereira negaram as imputações que então lhes foram feitas pelo Ministério Público. O primeiro disse ao juiz de instrução criminal que alguns dos edifícios, como o da Visconde de Santarém e da Conde Redondo, tinham inquilinos que em alguns casos foi preciso esperar «quase dois anos que alguns saíssem». Outros edifícios foram reconstruídos, com base em projetos feitos por ateliês de arquitetura, que os valorizaram no mercado. Revelou também que as negociações foram feitas com um responsável da Altice, João Zuquete, negando qualquer intervenção de Armando Pereira para o favorecer. «Eu disse-lhe: vou comprar estes imóveis. Tu permites? E ele disse: se for pelo valor de mercado não há problemas nenhuns, tu é que sabes e faz o que tu quiseres com o teu dinheiro », afirmou no interrogatório. Mais tarde, sobre o negócio do chamado Edifício SAPO, a defesa de Hernâni Vaz Antunes, a cargo do advogado Rui Patrício, defendeu em requerimentos que a compra e venda foi feita pelos preços de mercado da época e que não basta um negócio estar em investigação para que todo o dinheiro dessa empresa possa ser considerado de proveniência ilícita. «A Smartdev tinha outras fontes de rendimento que não a Altice» e é falso que os negócios com o Grupo Altice «apenas foram celebrados por ter sido viciado o processo de formação da vontade negocial desse grupo, em particular por via de pagamentos indevidos a responsáveis desse Grupo». Por sua vez, no interrogatório judicial, também Armando Pereira negou ter tido qualquer influência nas vendas. Ao juiz de instrução criminal afirmou que a avaliação dos imóveis era feita pelas eauidas locais e que a autorização das vendas era feita diretamente a Patrick Drahi e a Malo Corbin, o diretor financeiro do grupo. Os dois fazem parte de um conjunto de cinco responsáveis que desempenharam ou desempenham altos cargos no grupo Altice que, no início do ano, a defesa de Hernâni Vaz Antunes pediu que fossem ouvidos. Os restantes são David Drahi, Jéremin Suire e a atual CEO da Altice Portugal, Ana Figueiredo. Como o Nascer do SOL também já noticiou, o objetivo destas inquirições seria, entre outras questões, esclarecer sobre «a estrutura de governação e de controle do grupo e das sociedades integrantes, bem como sobre os seus mecanismos de controlo interno e externo, com especial enfoque no compliance». Para o advogado Rui Patrício, as inquirições poderiam explicar por que o «Grupo Altice carecia de determinadas estruturas e procedimentos de contratação, por exemplo, com intermediação». Dois anos após as buscas da Operação Picoas, os cinco responsáveis nunca foram ouvidos. Onde param os carros de Hernâni Antunes? Ninguém sabe Foram apreendidas 18 viaturas avaliadas em 11 milhões. Gabinete de Administração de Bens não diz onde estão nem em que estado. O destino e o estado dos veículos de luxo apreendidos a Hernâni Vaz Antunes, em julho de 2023, tem sido um dos motivos de maior atividade do inquérito-crime conhecido como Operação Picoas. No último ano, a defesa do principal arguido apresentou recursos e requerimentos sucessivos para saber onde os carros estão guardados, que medidas foram tomadas para os conservar e como foi feita a sua avaliação, que atinge os 11 milhões de euros , sem que fosse possível obter uma resposta do Gabinete de Administração de Bens (GAB). Tudo motivado por uma comunicação do próprio GAB, que viria a revelar-se incorreta. Para compreender o imbróglio é necessário recuar às buscas de julho de 2023, quando foram apreendidos 18 carros de luxo em várias propriedades de Hernâni Antunes e da sua família. Para os magistrados, os veículos foram adquiridos com os alegados ganhos ilícitos obtidos por Hernâni Antunes , com a colaboração de Armando Pereira , no esquema de viciação de contratação de fornecedores do grupo Altice. Ganhos esses que, segundo o MP, só pela criação de empresas em zonas de tributação reduzida, terão rendido um valor estimado de 100 milhões de euros. De acordo com O MP, esses ganhos indevidos conduziram «à identificação de esquemas de circulação e conversão de fundos, em manobras de branqueamento e integração desses ganhos ilícitos». Um desses esquemas seria «a aquisição de viaturas de elevado valor comercial, algumas delas modelos raros e de coleção, numa verdadeira lógica de constituição de ativos de investimento e de ostentação». Inicialmente, os carros ficaram à guarda das filhas, mulher e irmão de Hernâni Vaz Antunes. Todavia, segundo o MP, face ao «servilismo» dos mesmos em relação ao empresário e ao risco de as viaturas se extraviarem, foi decidida a sua apreensão e remoção. Era «essencial acautelar a preservação das mesmas, por representarem um produto indireto dos ganhos ilícitos gerados». Em outubro de 2023, coube ao GAB alugar os meios camião e armazém , para recolher e preservar 18 viaturas das marcas Porsche, Ferrari, Aston Martin, McLaren, Bentley e Bugatti (modelo Chiron). Este último foi avaliado em 3,7 milhões, logo seguido de um Ferrari Monza cujo valor será de 3,1 milhões. Ao todo, a coleção valerá 11,2 milhões. A CARTA POLÉMICA Em abril de 2024 a diretora do GAB, Ana Marcolino, enviou a Hernâni Antunes uma carta a dar conta da avaliação das viaturas e da possibilidade de, no prazo de 10 dias, requerer ao MP «a entrega do veículo contra o depósito do valor da avaliação» à ordem do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça. Mas no final da missiva, acrescentava-se que «findo este prazo, na ausência de resposta, fica notificado de que o GAB irá dar seguimento ao procedimento de venda antecipada das referidas viaturas». E foi aí que começou uma guerra jurídica dentro do processo Altice. A defesa da Harnâni Antunes, através dos advogados Rui Patrício, Tiago Monfort e Edgar Palma, começou por contestar a venda dos carros, a legalidade das apreensões e a pedir a sua devolução. O MP acabou por esclarecer que não tinha intenção de avançar com a venda e indeferiu os pedidos , no que foi secundado pelo juiz de instrução criminal. Em junho de 2024, Hernâni Antunes recorreu da decisão para o Tribunal da Relação, voltando a alegar a falta de fundamento para a remoção dos veículos, a inexistência do perigo de extravio, uma diferença de tratamento em relação a Armando Pereira que manteve a posse de todos os seus automóveis , e a invalidade das notificações de avaliação. Por fim pede que seja declarado «fiel depositário das viaturas», declarando que se compromete «a assegurar a sua manutenção, garantindo ainda que não desvalorizam e que permanecem em perfeitas condições», com o «inerente benefício para o erário público», A resposta do MP, assinada pelo procurador Rosário Teixeira, elaborada em setembro, rejeita todos os pedidos da defesa. O magistrado justifica as apreensões com a «completa dependência» demonstrada pelos familiares de Hernâni Vaz Antunes em relação ao empresário, com o facto de vários carros estarem em nome de sociedades e ainda porque alguns não tinham matrícula ou tinham matrícula estrangeira, «fatores que facilitam a transmissão a terceiros das mesmas viaturas e que impedem o seu seguimento». Sobre a diferença de tratamento em relação a Armando Pereira, Rosário Teixeira escreve que os automóveis deste não foram apreendidos por estarem «num único local, construído para o efeito, com características de um museu pessoal, estando registados em seu nome, identificados por matrículas e sem terem tido outra utilização que não a contemplação das mesmas». Além disso, acrescentou: «Não podemos deixar de reconhecer uma vasta esfera de negócios legítimos ao arguido Armando Pereira, desde logo como acionista do grupo Altice, enquanto que a larga maior parte dos proventos acumulados por Hernâni Antunes provém de negócios conspurcados de ilicitude, corrupção privada e burla, celebrados com a Altice». Não se conhece a decisão da Relação mas no processo a guerra continuou. Os advogados de Hernâni Antunes já este ano quiseram saber quem guarda e mantém os carros, uma vez que alguns são modelos raros que precisam de cuidados especiais e que é público que o GAB não tem meios para o fazer. Apesar de o DCIAP ter notificado O GAB em janeiro para saber qual o estado dos automóveis e se a respetiva avaliação foi homologada, não terá havido qualquer resposta.