CRÓNICA: UMA EXPERIÊNCIA INESQUECÍVEL... - RUMO A LE MANS
2025-07-11 21:04:53

No fni al do pretérito ano, o nosso amigo Miguel lançou-nos um desafoi : “E se fôssemos ver as 24 horas de Le Mans?” Após a proposta ter sido aceite por unanimidade e uma vez adquiridos os ingressos, havia que tratar da logística da empreitada, que incluía o planeamento do transporte, a preparação dos mantimentos e equipamentos e ainda a pesquisa de informação que ajudasse a perceber o que nos esperaria em Le Mans, cidade no noroeste de França, a escassos 250km da capital, Paris. A 13 de junho, pelas 18h:44m, demos início à viagem de cerca de 1350 Km entre a Beira Baixa e o Circuit de la Sarthe, palco das 24 heures du Mans, a mais antiga prova de resistência para carros desportivos e protótipos, cuja 1ª edição remonta ao ano de 1923. Efetuado maioritariamente durante a noite, o percurso incluiu paragens (para repor níveis de cafeína, glicose e alternar turnos de condução), conversas sobre temas vários, audição de seleções musicais e alguns telefonemas a dar conta, com inegável orgulho, da nossa posição geográfica e respetivo destino. A tranquilidade da viagem foi apenas abalada, no momento de parar nas gares de péage para efetuar o pagamento das portagens que nos foram sendo exigidas, muito embora, em abono da verdade, a serenidade foi facilmente reposta perante a irrepreensível qualidade do piso, a presença de informativa sinalética luminosa ou mesmo a impecável limpeza das luxuosas estações de serviço. Pelos vistos, o conforto e a segurança têm um preço Chegados a Le Mans, o ambiente de culto que envolve a cidade fci ou patente de imediato, sendo indescritível o número e variedade de modelos de marcas associadas ao desporto motorizado presentes nas ruas, muitos deles exibindo a roupagem do evento. Percorremos algumas das ruas da cidade até chegarmos ao par-que de campismo denominado Prairie, situado no interior do perímetro delimitado pelo circuito em si. Validados os ingressos pelo Automobile Club de l Ouest, foram-nos atribuídos 35m2 de um plano prado verde, servido de instalações sanitárias e duches com água quente! Apesar das excelentes condições, a nossa atenção rapidamente se voltou para a placa de sinalização que anunciava: Accès Circuit. O Circuit de la Sarthe é um circuito semi-permanente, cujo traçado junta secções do autódromo Circuit Bugatti com diversas artérias da cidade, as quais, durante os restantes dias do ano, são circuláveis por todos. Alvo de diversas alterações desde 1906, a configuração em vigor desde 2002 apresenta um comprimento de 13,626 km, sendo composta por retas (destacam-se os 6 km da reta Mulsanne, interrompida por duas chicanes, de forma a limitar a velocidade atingida, que ultrapassava os 400km/h no fni al dos anos 80), intercaladas por 38 curvas, entre as quais a icónica Dunlop (facilmente identifci ável graças à forma de metade de um pneumático da conhecida marca), a Mulsanne, a Indianapolis ou as Porsche. Era a estas últimas (no plural por se tratar de um encadeamento de cinco curvas que os carros descrevem a velocidades bem superiores a 200km/h), que ia dar o caminho que a tal placa indicava Previamente à entrada para o circuito propriamente dito era feita a validação dos bilhetes, acompanhada por procedimentos de segurança efetuados pelos sempre simpáticos e profsi sionais membros da organização, que conseguiram manter uma constante e surpreendente limpeza de todo o recinto, instalações sanitárias e restantes infraestruturas. E nem a tradicional incapacidade (ou recusa) dos franceses em falar outra língua que não a própria (fonte de grande arrelia por parte do Miguel), impediu a comunicação, decorrendo a mesma num misto de português, francês, inglês e mesmo na boa, velha e desenrascada língua gestual. Do lado do público, sobressaía uma atitude de civismo, respeito e alegria (sem excessos, petardos ou motosser-ras, como se tem visto ultimamente noutros eventos), o que fez com que, de forma natural, reinasse um ambiente de entusiasmo, tranquilidade e segurança. E diga-se que isso é deveras reconfortante quando estamos entre 332.000 pessoas. À medida que fomos explorando o recinto, tornou-se óbvio que estávamos numa espécie de “Expo 98”, cujo tema não se limitava às 24 heures du Mans! As inúmeras “barraquinhas” e respetivas atividades (exposições, desfli es, passatempos, demonstrações e pontos de venda), tinham em comum a paixão pelos automóveis em geral e, em concreto, pelo desporto motorizado! Mostrava-se tarefa árdua andar mais de 10 metros sem que algo chamasse a atenção: fosse o elegante e inalcançável desportivo da Scuderia Ferrari, ostentando o seu Cavallino Rampante, a oportunidade, mais mundana, de pilotar um simulador topo de gama ou a inglória missão de escolher a recordação perfeita. E foi sem surpresa que vimos o valor médio diário de uma dúzia de km percorridos ser atingido com facilidade, já que havia sempre algo que tinha passado despercebido. Já no Museu das 24h, cuja visita se recomenda, tivemos oportunidade de apreciar a exposição temporária McLaren - a name for eternity (McLaren , um nome para a eternidade), onde se celebrava o 30º aniversário da vitória da marca Britânica na competição. No que respeita à prova em si, pelas 10h:00m de sábado, incentivados pelos vizinhos de tenda, instalámo-nos confortavelmente numa das bancadas da reta da meta, aguardando pelo início que aconteceria às 16h00m! Contra todas as expetativas, a espera tornou-se curta, por culpa de uma série de eventos preparados pela organização que, com formalidade, transformaram 6 horas de espera numa peça de entretenimento de igual duração, que incluiu corridas, desfli es de automóveis, atuações musicais, caças sobrevoando a pista e soldados a descer de helicóptero em rappel, culminando com a ordem para ligar os motores pela voz do ex-tenista Roger Federer, a que se seguiu a volta de aquecimento. No preciso momento em que o famoso relógio Rolex assinalava as 16h00m, o rugir das cerca de 6 dezenas de automóveis ecoava nas bancadas que ladeiam a reta da meta, de forma tão ensurdecedora como arrepiante! Quase de imediato, o público vai-se deslocando ao longo da pista, usufruindo dos espaços confortáveis que lhe são proporcionados, que permitem que se aproxime do espetáculo. E que espetáculo: as bandeiras, a decoração, as equipas. Os carros que percorrem a pista aproveitando cada centímetro da sua superfície numa tentativa de otimizar o desempenho, em perfeita sintonia homem-máquina, sempre a velocidades vertiginosas. E claro, o som característico de cada um deles, que leva muitas vezes ao seu reconhecimento para além da forma e decoração. A noite que cai, trazendo com ela sensações, sons, brilhos, refel xos e sombras a que não estamos acostumados. Por instantes, mergulhados nesta espécie de Nações Unidas do desporto automóvel, esquecemo-nos dos graves problemas que assolam o mundo! Para regozijo de pai e filho, no fni al das 387 voltas o 1º a cruzar a linha de meta foi o Ferrari 499P #83, que rodou a uma incrível velocidade média de 219,3 km/h durante um total de 5272,54 km! De forma impressionante, ao fim de 24 horas de corrida, o Porsche #6 (2º classificado) demorou apenas mais 14,084 segundos a percorrer a mesma distância!! Mais: os 4 primeiros classifci ados fci aram separados por menos de meio minuto!!! Entre os portugueses, António Félix da Costa e Bernardo Sousa terminaram na nona posição da classe LMP2 e GT3, respetivamente, enquanto Filipe Albuquerque desistiu, devido a problemas com o motor do seu Cadillac. Embora estes sejam alguns dos números e factos que fci am para a história desta 93ª edição, as 24 heures du Mans vão muito além dos mesmos: é um evento para desfrutar com amigos, para conhecer pessoas que nutrem a mesma paixão e, sobretudo, para guardar recordações. As 24 horas são a maior corrida automobilística do mundo. E nós estivemos lá! Carlos Matos; Miguel Matos; Carlos Pereira