CHEIAS - O QUE FALHOU NA TRAGÉDIA DO TEXAS?
2025-07-11 06:00:08

Meteorologistas reconhecem que foram incapazes de prever consequências de uma “bolha de humidade tropical” Correspondente nos Estados Unidos odas as manhãs, Lorena Guillen olha à sua volta, como se ainda fosse impossível acreditar nos efeitos do dilúvio de 4 de julho, Dia da Independência. Em plena madrugada, o rio Guadalupe, no Texas, inchou a tal ponto que se converteu num muro com quase oito metros de altura, arrastando tudo à sua passagem. “Agarrei-me ao que pude para sobreviver. Eu eo meu marido tivemos sorte. Acordámos depressa e fugimos”, conta ao Expresso. “Muitos dos nossos vizinhos foram engolidos pelas águas. Naquela hora, sentimo-nos impotentes. Desapareceu tudo. àrvores com centenas de anos arremessadas como palitos. Casas. Carros. Tudo à deriva”. Guillen vivia há mais de dez anos numa rulote estacionada rente ao Guadalupe, braço de água que serve de âncora à comunidade local, conhecida pelas dezenas de campos de férias dedicados aos desportos aquáticos. “Um dos locais mais bonitos do país”, recorda esta americana. Num deles, o Camp Mystic, exclusivo para raparigas, morreram 27 menores e supervisores. Até quarta-feira à tarde, as autoridades contabilizavam 119 mortos e mais de 150 desaparecidos. “Lembro-me de uma mãe com uma criança nos braços. Foi demais. Quando me preparava para voltar para a água e socorrê-los, o meu marido agarrou-me. Congelei aquela imagem até ver uma foto de ambos na parede da igreja dedicada aos sobreviventes. Que alívio!”, desabafa Guillen. Dispensa cuidados de saúde, apesar do trauma evidente. A prioridade é “reconstruir”, diz. “Acordamos cedo e ajudamos no que for preciso. Há muito para limpar. Lares para refazer. Trabalhamos até à exaustão. Assim, quando nos deitamos não temos energia para pensar no que aconteceu. E particularmente difícil esquecer os gritos de socorro das pessoas levadas pelas águas.” Sem sistema de alerta O pragmatismo desta sobrevivente contrasta com a fúria de outros locais. Alguns invadiram as conferências de imprensa diárias usadas para atualizar o número de vítimas e eventuais progressos. Logo nas primeiras horas após a tragédia, ojuiz Rob Kelly aproveitou esse espaço para denunciar que a região carece de um sistema de alerta contra cheias. “Nada!", gritou perante uma plateia incrédula. “Ninguém sabia que esta inundação estava a caminho, apesar de vivermos no vale mais perigoso da América. Não é por acaso que lhe chamam vale das inundações .” Larry Leitha era o alvo principal da indignação. O xerife do condado de Kerr, epicentro da devastação, insistia que “não existe um botão” para acionar um alerta. “Estou concentrado nas buscas e resgates. Não estou aqui para atirar culpas.”, dizia. Imediatamente interromperam-no. “Com todo o respeito, diga-nos uma coisa: o »funcionário do condado responsável por este tipo de emergências estava a dormir?”, questionou Kelly. Leitha não respondeu. O condado de Kerr precisará de tempo para conhecer todos os factos. As avaliações iniciais parecem entorpecidas pelas emoções. O Expresso contactou o meteorologista John Morales, professor na Universidade de Cornel e antigo dirigente da agência federal National Weather Service. Sobre a origem da tempestade e a razão de ter espoletado cheias daquela magnitude, explica: “Sabíamos que a atmosfera estava saturada de humidade da tempestade tropical Barry, que passou pelo México dias antes. O furacão dissipou-se, mas deixou uma bolha de humidade tropical no Texas. Um dia antes da tragédia, as previsões indicavam a possibilidade de cheias, mas nada de significativo.” O caudal do Guadalupe subiu mais de oito metros em menos de uma hora. Porque falharam as previsões? “No dia anterior, surgiram tempestades no oeste do Texas, formando-se uma espécie de corredor de ventos fortes que atraiu mais humidade e agiu como uma espécie de rastilho, convertendo a tal bolha de humidade num rio sobre as nossas cabeças. Depois disso, a megatempestade estagnou, continuando a alimentar-se da corrente de humidade oriunda do Golfo do México.” Morales diz que o fenómeno se tornou imprevisível e incontrolável. A possibilidade de os responsáveis locais estarem a dormir na altura do desastre causa-lhe “incómodo”. Lembra ser “muito difícil para um cientista comunicar uma ocorrência de baixa probabilidade, mas de alto impacto” e insiste que as previsões apontavam para “cheias pouco significativas”. “só a partir da 1h de sexta-feira, 4 de julho, se tornou possível perceber a dimensão do problema. Foi tudo muito rápido. Os alertas dispararam a nível federal e estadual”, conta. “Ainda iam a tempo, mas os tais que terão ido dormir basearam-se em previsões erradas. Temos de ser humildes e reconhecê-lo. Os alertas funcionarar mais ou menos, as previsões foram más.” Rádio salvaria vidas O Expresso ouviu Tom Skilling, líder da equipa de meteorologia do canal televisivo de maior audiência em Chicago, WGN-TV. O alegado impacto dos cortes na burocracia federal, decisão do DOGE, levou os críticos da Administração Trump a associá-lo à mortandade no Texas. Skilling critica o “aproveitamento político” e elabora: “Sou democrata e vivo na cidade de Obama. Chicago foi a cidade onde o antigo Presidente cresceu. Temos de ser racionais. Cada unidade regional de serviços meteorológicos tem dois: a três operacionais no turno da noite. O de Santo Antonio, que cobre a área do condado de Kerr, tinha cinco pessoas a trabalhar naquela noite. Tinha gente a mais.” Confirmando-se que se tratou de uma falha na leitura dos padrões meteorológicos, associada a sistemas de alerta inexistentes ou ineficazes, Morales e Skilling refletem sobre as lições que ficam. “Não são precisas duas a três horas para caminhar dezenas de metros até um local seguro”, aponta o primeiro. “Muitos dos mortos eram crianças. Os adultos assumirão responsabilidades. Têm de existir planos que antecipem estes cenários. Todas as escolas e campos de férias, sobretudo no vale das inundações, têm de possuir rádios sintonizados no serviço de meteorologia. São baratos, custam dez dólares na Amazon.” Skilling concorda e explica que aquele simples equipamento, associado aos tais planos de contingência, teria feito a diferença. “Se não nos tornarmos uma sociedade mais preparada para este tipo de fenómenos naturais, nada mudará.” internacional@expresso.impresa.pt liberdade”, publicou Musk no dia seguinte. O partido já foi criado? A formação legal do partido, explicou a CNN internacional, requer que seja registado junto da Comissão Federal de Eleições (FEC, na sigla em inglês). Na respetiva página eletrónica é possível encontrar dois documentos aparentemente associados ao registo da nova força política. Um é relativo ao America Party (AMEP) e outro a The America Party (TAP). Apresentam a mesma morada e o nome de Vaibhav Taneja, diretor financeiro da Tesla (de que Musk é o maior acionista) como tesoureiro. Musk referiu-se na rede social x, todavia, à falsidade de um registo, assegurando que a denúncia já fora feita à FEC. O Expresso questionou esta entidade sobre queixas relativas à autenticidade de documentos, mas a FEC recusou-se a fornecer informações, por motivos de confidencialidade. Observou, ainda assim, que tem procedimentos para lidar com submissões que possam conter informação falsa ou fictícia. Que espaço existe para um novo partido? “Se ele conseguir de alguma forma quebrar a lógica bipartidária o que me parece difícil, para não dizer mais do que difícil ,, vai ser sempre uma coisa muito, muito estreita”, comentou ao Expresso Pedro Ponte e Sousa, professor na Universidade Portucalense. O académico realça que o sistema político americano favorece a lógica bipartidária e “torna muito difícil que a longo prazo venha a existir algo mais duradouro, alternativas ao que se chamam os terceiros partidos nos Estados Unidos”. Já houve, na história americana, outras formações a surgir além dos partidos democrata e republicano, os dois principais; por exemplo, os partidos socialista e verde. “Na prática, o que acontece nesta lógica dos terceiros partidos ou dos independentes é que se trata de antigos membros de um partido, republicano ou democrata, que nalgum momento acabam por concorrer numa lógica mais individual, ou o inverso, de elementos que acabam depois por associar-se a um partido”, explica Ponte e Sousa. Tendo em conta o funcionamento prático, o docente reconhece que “Musk tem alguma razão quando diz que o sistema político americano representa pouco a realidade social, no sentido em que acaba por reduzir muito o espaço, o leque para vozes muito diferentes”. Qual a estratégia de Musk? Quando anunciou a formação do novo partido, o empresário sugeriu que este poderá focar-se apenas em eleger dois a três senadores e obter oito a dez assentos na Câmara dos Representantes. “Tendo em conta as estreitas margens, seria suficiente para decidir o voto em legislação controversa, assegurando que sirvam a verdadeira vontade do povo”, apontou. Surgem também pistas nas respostas de Musk a comentários de utilizadores da plataforma x. O empresário atira para 2026 a intenção de mudar o panorama partidário atual. Ora, em novembro desse ano há eleições para a Câmara e um terço do Senado. Musk responde que sim quando questionado sobre se o programa político do novo partido pretende “reduzir dívida, permitir apenas gastos responsáveis; modernizar o exército com inteligência artificial (IA)/robótica; pró-tecnologia, acelerar para vencer na IA, menos regulação, sobretudo em energia, liberdade de expressão, pró-natalista”. No entanto, ainda não apresentou esse programa. Ponte e Sousa observa que “há enorme influência das elites americanas sobre democratas e republicanos”, mas crê que “não vai ser o partido de Musk a fazer uma coisa diferente, muito pelo contrário”. SALOMÉ FERNANDES Da insatisfação de Musk à criação do Partido da América Ambição do empresário surge após tensões com Donald Trump. Enfrentará dificuldades para quebrar bipartidarismo O empresário Elon Musk quer criar um novo partido nos Estados Unidos: O Partido da América. Este passo político representa um agravamento da rutura da aliança entre o multimilionário e Donald Trump, de quem foi conselheiro especial, à frente do DOGE. A guerra parece ter sido motivada pela aprovação do pacote legislativo orçamental apelidado de “big beautiful bill” (“ grande e belo projeto de lei”). Musk considerou a proposta “abominável” e já ameaçara, no final de junho: “Se este projeto de lei de gastos louco passar, o Partido da América será formado no dia seguinte.” Com novo anúncio nesse sentido, o Presidente americano classificou o lançamento de um terceiro partido como “ridículo” e acusou Musk de estar a “tornar-se um desastre” ao longo das últimas semanas. Trump entende que terceiros partidos criam “disrupção e caos”, atribuindo a oposição de Musk ao seu projeto de lei a mudanças de políticas de incentivo a veículos elétricos. Como foi feito o anúncio? A 4 de julho, Musk perguntou, através da rede social x, se as pessoas queriam independência do sistema bipartidário. “Devemos criar o Partido da América?”, questionou. os resultados da votação de mais de um milhão de contas cuja autenticidade e nacionalidade não são conhecidas , indicaram que 65,4% eram a favor da ideia. “Por uma proporção de dois para um, vocês querem um novo partido político, e tê-lo-ão! Quando se trata de levar o nosso país à bancarrota com desperdício e corrupção, vivemos num sistema de partido único, não numa democracia. Hoje, o Partido da América é formado para vos devolver a o Partido da América é formado para vos devolver a liberdade”, escreveu Musk na rede social x Com dois ou três senadores e alguns representantes, um novo partido poderia decidir votações Estragos causados pela enchente do rio Guadalupe em Kerrville, Texas FOTO DESIREE RIOS/THE WASHINGTO :TON POST/GETTY IMAGES RICARDO LOURENÇO