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CHINA - O CHOQUE TECNOLÓGICO QUE PODE DOMINAR O MUNDO

Visão

2025-06-19 21:04:44

Em 2001, a república de Xi Jinping tinha um carro para cada 128 pessoas. Em 2009, já era o maior mercado automóvel do mundo. Hoje, é responsável por quase 62% das vendas globais de veículos elétricos = a “espinha dorsal” para dominar a Inteligência Artificial, a computação quântica e a robótica humanoide, retirando eventualmente OS EUA da vanguarda destas inovações N Na oficina de design da NIO, nos subúrbios de Xangai, engenheiros espalham blocos de argila sobre a estrutura de alumínio de um automóvel básico. Um braço robótico com uma broca mecanizada vai, então, esculpindo ôno barro uma série de ranhuras, correspondentes ao esboço do projetista. Depois, a superfície rugosa é cuidadosamente alisada com facas de paleta, antes de uma película de alumínio ser colada por cima. Por fim, o elegante modelo metálico é levado para um pátio soalheiro onde são examinadas todas as curvas e curvaturas. “A arte acontece realmente quando estes tipos aplicam e retiram a cor, põem e removem mais barro”, diz Colin Phipps, diretor sénior da NIO Shangai Design, que trabalhou 12 anos para a Cadillac. “Este é um processo muito trabalhoso.” ê também um primeiro passo incongruentemente artesanal de uma metodologia de design que está determinada a ultrapassar os limites tecnológicos. Desde a sua fundação em 2014, a NIO registou 9 800 patentes globais, popularizando de um modo impressionante a tecnologia de troca de baterias, que permite aos clientes substituir uma bateria descarregada por outra totalmente carregada em apenas três minutos, nas mais de 3 100 estações de troca que instalou na China e na Europa. A NIO também produz a bateria de veículo elétrico (VE) com maior autonomia do mundo, capaz de percorrer mais de 1 000 quilómetros com um único carregamento (o recorde da Tesla é de 700 km). Tem um para-brisas com ecrã duplo, único ôno planeta , que projeta dados, em duas perspe-tivas distintas, diretamente no campo de visão do condutor e o primeiro sistema drive-by-wire homologado, que orienta as rodas sem um eixo de direção físico. [o DBW substitui os componentes mecânicos tradicionais por eletrónicos, permitindo controlar com maior precisão funções como o acelerador, o travão e a direçãol. O carro desportivo EP9 da NIO revelou-se, quando foi lançado em 2016, o veículo elétrico mais rápido do mundo, ultrapassando os 310 quilómetros/hora, batendo recordes no famoso circuito de corridas de Núrburgring Nordschleife, na Alemanha. “A inovação cria valor”, declara à Time William Li, diretor-executivo (CEO) da NIO. “E a inovação ajuda-nos a sobreviver no meio de uma concorrência feroz, na China e no resto do mundo” A NIO é apenas uma das marcas chinesas numa “sopa de letras” = da BYD (Build Your Dreams), ION, Clever, Maxus, Neta, Onvo e Geely (que inicialmente produzia frigoríficos) à XPeng, Yangwang, Changan (antigo fabricante de armas e jipes militares) ou Zeekr que dominam hoje o mercado mundial de veículos elétricos. Tem sido uma ascensão meteórica. Em 2001, a China tinha menos de 10 milhões de veículos de passageiros para o seus 1200 milhões de habitantes (hoje são 1400 milhões), ou seja, um veículo para cada 128 pessoas. A sua penetração de mercado era equivalente à dos Estados Unidos da América em 1911, três anos depois de Henry Ford ter produzido o seu primeiro Modelo T. No entanto, em 2009, a China já se tornara o maior mercado automóvel do mundo. De importador líquido de carros até 2020, a China envia atualmente para o estrangeiro mais veículos do que qualquer outra nação; em 2024, as suas exportações de automóveis de passageiros subiram quase 20%, para 4,9 milhões. As importações, pelo contrário, caíram de um pico de 1,24 milhões em 2017 para apenas 705 000, o ano passado. Os fabricantes chineses deverão representar um terço do mercado mundial até 2030, estima a firma de consultoria financeira norte-americana AlixPartners. No que toca a veículos elétricos, a China já é responsável por quase dois terços das vendas globais (62%). A marca NIO é comercializada em seis países europeus, bem como em Israel e nos Emirados arabes Unidos. A BYD, por seu turno, é agora, indiscutivelmente, a principal empresa de veículos elétricos do mundo, presente em 70 países (incluindo Portugal) e ultrapassando a Tesla, a nível global, pelo segundo trimestre consecutivo. De janeiro a março, enquanto a Tesla vendeu 336 681 veículos em todo o mundo , uma queda de 13% em comparação com o mesmo período do ano anterior =, a BYD entregou 416 388, o que constitui um aumento de 38%. A maioria dos norte-americanos não está consciente disto. Durante a presidência de Joe Biden, os EUA aplicaram uma tarifa de 100% aos carros elétricos chineses. O seu sucessor, Donald Trump, adicionou outros 25% a todos os veículos estrangeiros. Isto afeta negativamente a compra de veículos elétricos no autoproclamado “lar espiritual do automóvel” [porque os EUA foram pioneiros na produção em massa de carros]” =, onde metade das pessoas mostra interesse em comprar VE, como indicam sondagens recentes. A luta global contra as alterações climáticas também sofre o impacto de mais taxas aduaneiras. “os consumidores ônos EUA poderiam conduzir carros melhores, gastar menos gasolina, poupar na manutenção, e também seria bom para o ambiente”, observa Paul Gong, diretor para a investigação automóvel da China no UBS Investment Bank, na Suíça. “E uma pena que, devido a tarifas protecionistas e à geopolítica, o mundo não possa ser mais verde e mais próspero.” Ainda assim, na base das barreiras à importação há preocupações muito reais. Os EUA e aliados queixam-se de que subsídios estatais maciços, ôno âmbito da política industrial chinesa, provocam um excesso de capacidade e afastam os concorrentes. O apoio do Governo de Pequim à sua indústria de veículos elétricos, entre 2009 e 2023, totalizou 230,9 mil milhões de dólares [quase 204 mil milhões de eurosl, segundo O Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS), um think tank sediado em Washington. Em julho de 2024, em protesto contra os subsídios, a União Europeia impôs aos VE chineses uma tarifa provisória de 37,6%. Como retaliação, o governo de Xi Jinping aumentou as tarifas sobre a carne de porco e conhaque europeus. Em agosto, o Canadá aumentou a tarifa de importação de veículos elétricos chineses para 100 por cento. QUARTA REVOLUçaO INDUSTRIAL E, porém, redutor culpar simplesmente os subsídios estatais pelo domínio chinês no setor dos VE. Repetidas vezes, quer se trate de smartphones, painéis solares ou 5G, a China combina apoio estatal com economias de escala e um mercado interno ferozmente competitivo para comandar a tecnologia transformadora. Cadeias robustas de abastecimento aproveitam componentes de qualidade e baixo custo para comercializar tecnologia. E a ascendência da China nos veículos elétricos abre uma janela para as futuras disputas entre as duas maiores economias do mundo sobre as inovações que impulsionarão a Quarta Revolução Industrial. O risco, para os EUA, é que estas vantagens, em breve, também permitirão à China dominar setores como a Inteligência Artificial (IA) generativa, a computação quântica e a robótica humanoide. Porque os veículos elétricos estão na linha da frente e no centro destes objetivos. “os VE são muito mais do que simples veículos movidos a baterias”, salienta Ilaria Mazzocco, investigadora no CSIS, especialista nas empresas e economia da China. “A mudança tecnológica envolve muito processamento de dados, mais IA integrada no sistema e sinergias que permitem avançar para outras tecnologias.” Inicialmente, a ascensão da China não perturbou OS EUA. Longe disso. A inigualável eficiência produtiva chinesa rendeu milhares de milhões de dólares às empresas norte-americanas. o facto de uma nação ostensivamente comunista tentar a sua sorte no capitalismo era cativante até pitoresco =, para não falar de que era uma prova da vitória da teoria económica liberal. Para todos os efeitos, a China representava um mercado gigante e em crescimento para a indústria norte-americana. Até que a China começou a conquistar terreno. Embora tivesse acolhido O McDonald s e o Starbucks, e encorajado os cidadãos mais brilhantes a aperfeiçoar as suas mentes em universidades ocidentais, Pequim manteve um controlo rigoroso sobre a economia, ao mesmo tempo que, habilmente, adquiria conhecimentos estrangeiros. Hoje, a China representa 27,5% de todas as vendas mundiais de automóveis, mais do que OS Estados Unidos da América, a india e O Japão , os três juntos. O governo em Pequim facilitou este crescimento ao permitir que empresas estrangeiras do setor automóvel entrassem no mercado chinês só com um parceiro nacional, mas também graças ao que poderíamos designar por recolha engenhosa de propriedade intelectual. Eram os tempos do bom e velho protecionismo , e, para a China, resultou. Companhias chinesas caçavam engenheiros e executivos de fabricantes europeus e norte-americaõnos de renome, ao mesmo tempo que compravam empresas concorrentes estrangeiras por atacado. Em 2010, a Ford, por exemplo, vendeu a empresa sueca Volvo à chinesa Geely, por 1,8 mil milhões de dólares [1,60 mil milhões de euros]. Em 2017, a Geely comprou também a Lotus, multinacional britânica de luxuosos automóveis desportivos e veículos elétricos. “Há dez ou 15 anos, os produtos made in China não eram competitivos a nível global, para dizer o mínimo”, recorda Dan Balmer, CEO da Lotus para a Europa, a âsia-Pacífico, O Médio Oriente e âfrica. “Mas já era possível testemunhar a energia, o entusiasmo, o investimento no setor. Portanto, [OS chineses] aprenderam muito bem e estão agora a liderar em muitas áreas.” O grupo Lotus tem, atualmente, uma unidade de design e produção õno Reino Unido, mas todos os seus veículos elétricos, Eletre e Emeya, são construídos em Wuhan, capital da província de Hubei, no centro da China. Na cidade que ficou conhecida como o “epicentro da pandemia de covid,19” foi inaugurada em 2022 uma fábrica que custou 1 100 milhões de dólares [968 milhões de euros] e tem capacidade para produzir 150 mil veículos por ano. “Antigamente, as pessoas vinham à China só para terem um maior acesso a este mercado”, analisa Frank Bournois, reitor da China Europe International Business School, em Xangai. “Agora, vêm à China para melhorar os seus processos [de fabricação]. E a Inteligência Artificial está realmente a estimular isto.” Os decisores políticos nos EUA têm dificuldade em aceitar este novo paradigma, como evidenciam os queixumes do vice-presidente, J. D. Vance, em declarações à Fox News, no início de abril: “Pedimos dinheiro emprestado aos camponeses chineses para depois comprarmos o que os camponeses chineses produzem.” [A China detém a segunda maior carteira de treasuries ou títulos da dívida federal dos EUA, depois do Japão. Em março, estes títulos ascendiam a 784 mil milhões de dólares, uma “arma poderosa”, segundo analistas. Em abril, depois de Trump agravar as tarifas aos produtos chineses, Pequim vendeu $50 mil milhões e o resultado foi imediato: os juros dos títulos a 10 anos subiram de 3,85 para 4,20 por cento e os mercados financeiros ressentiram-se.] TESLA E SEUS CONCORRENTES A realidade é que, enquanto a primeira geração de empresários chineses cresceu pobre e se contentava em ganhar a vida com imitações baratas, os licenciados em tecnologia de hoje foram poupados às privações que os pais enfrentaram e anseiam por algo mais substancial. “Antigamente, OS chineses sentiam-se felizes por copiar os outros, só para não passar fome”, destaca Grace Shao, antiga gestora do grupo Alibaba, que se tornou consultora de tecnologia de informação (TI) e publica a newsletter AI Proem. “Hoje, eles procuram um sentido de missão.” Embora Washington atribua os êxitos recentes de Pequim aos subsídios, estes são apenas uma parte da história. Quando o governo central chinês identifica um setor prioritário, os governos municipais e provinciais oferecem, imediatamente, incentivos numa corrida desesperada para formar um campeão local. Esta torrente de liquidez gera uma bolha que inflaciona de maneira artificial os valores e incentiva outros grandes players a entrar no mercado. No entanto, em 2020, o principal fabricante de veículos elétricos apoiado pelo governo da China foi a empresa californiana Tesla Inc., cujos clientes beneficiaram de 325 milhões de dólares [288 milhões de euros] em deduções fiscais. O dono, Elon Musk, também recebeu $82 milhões [EUR73 milhões] em subsídios para construir uma “gigafábrica” em Xangai. Quanto à NIO, a sua capitalização de mercado chegava ono seu auge, em janeiro de 2021, aos 96,57 mil milhões de dólares [mais de 85 mil milhões de euros] , o dobro da companhia norte-americana General Motors. A concorrência entre regiões e fabricantes é, porém, implacável. Em 2023, fecharam cerca de 52 mil empresas que construíam carros elétricos na China.com o rebentar da bolha dos VE, o valor da NIO caiu para 7,53 mil milhões de dólares [6,7 mil milhões de eurosl, apesar de ter vendido um recorde de 221 970 automóveis em 2024. Mas empresas como a NIO, que saíram ilesas, tornaram-se tecnologicamente ágeis, além de terem a coragem necessária para prosperar. A BYD [presente em Portugal] é uma delas. Emprega mais engenheiros do que o número total de trabalhadores da Tesla. Em março, a companhia anunciou o lançamento de uma bateria para veículos elétricos que pode ser carregada em apenas cinco minutos. “é impossível imaginar uma competição tão intensa em qualquer outro mercado”, assegura Paul Gong, do UBS Investment Bank. A fábrica da NIO, na província de Anhui, é disto um exemplo. A sua capacidade anual é de 300 mil unidades, podendo entregar em dez dias , automóveis totalmente personalizados com 3,5 milhões de combinações específicas. é certo que a Ford foi pioneira na linha de montagem, mas a NIO tem uma matriz de produção com seis andares de altura e cinco de largura, onde chassis individuais são desmontados. Uma vez colocados no piso térreo, veículos automatizados e movidos a IA transportam cada chassis por entre 940 robôs de soldadura e rebitagem. O mais impressionante é que a fábrica começou a funcionar em abril de 2021 e a produção em massa arrancou logo 17 meses depois um calendário nunca posto em prática nos Estados Unidos da América. Os fabricantes tradicionais de automóveis e as novas empresas de energia da China abordam o processo de produção fundamentalmente de maneira inversa. Em vez de se concentrar nos painéis, eixos e rolamentos de uma viatura, a NIO analisa primeiro a arquitetura de alta tensão baterias, sistema de propulsão e outros componentes , e só depois a de baixa voltagem, como a computação digital. “Posteriormente, aparafusamos as peças mecânicas à volta”, explica Jonathan Rayner, gestor de frota da NIO para o modelo topo de gama ET9 [descrito como O “Rolls-Royce chinês”]. “Com o software e recursos modernos atuais, o que antes era difícil para as velhas empresas tornou-se relativamente fácil”, adianta Rayner, que entrou na empresa após 14 anos na Jaguar Land Rover. Colocar o software no centro da produção significa que os veículos elétricos modernos são diferentes dos movidos a gasolina. O cérebro dos NIO, BYD ou Lotus, mesmo os comprados há alguns anos, continua a ser atualizado regularmente, como se fossem smartphones. Isto também revela que as tecnologias de base alimentadas por IA, constantemente aperfeiçoadas, podem aplicar-se a muitos domínios adjacentes. “A Inteligência Artificial é um facilitador muito importante para os nossos automóveis”, realça William Li, o CEO da NIO. “Estas tecnologias ajudam,nos a melhorar a experiência do produto e a competitividade geral.” ROBoS-TaXIS E SEMICONDUTORES Em espera, à porta de um edifício de escritórios ono distrito de Pudong, em Xangai, um robô-táxi branco, fabricado pela Pony.AI, empresa de veículos autónomos com sede em Cantão, circula lentamente à volta do átrio até parar a meus pés. Assim que entro na viatura, o sistema de condução com outros artistas na prestigiada Galeria do Ano Novo Lunar, organizada pela televisão estatal CCTV, em janeiro. Foi uma exibição impressionante da crescente indústria de robótica do país. Em 2024, foram registadas na China mais de 190 mil companhias na área da robótica; desde o início de 2025, outras 44 mil, segundo o banco de dados chinês Qichacha, que rastreia as licenças empresariais. Tal como acontece com os veículos elétricos e a Inteligência Artificial, Pequim deu primazia aos robôs humanoides por serem “produtos disruptivos”. Em 2023, o ministério chinês da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT) emitiu um manual de desenvolvimento no qual define a sua meta de produção em massa de robôs até 2025, para construir um ecossistema industrial globalmente competitivo na expectativa de, numa década, chegar aos 43 mil milhões de dólares [38 mil milhões de euros]. Os veículos elétricos são a chave. Cerca de 70% dos seus componentes são intercambiáveis e é por isso que os fabricantes de automóveis chineses, incluindo as empresas BYD, Xiaomi, Chery, GAC Motor, Huawei, SAIC e XPeng Motors decidiram entrar no mercado da robótica. No Congresso Nacional do Povo (Parlamento anual), realizado em março, O Presidente chinês, Xi Jinping, propôs políticas de apoio aos robôs humanoides semelhantes às que be-autónomo inicia uma viagem de 20 minutos pelo bairro encharcado pela chuva, desviando-se das bicicletas de entregas, ultrapassando carrinhas estacionadas e lutando corajosamente contra o trânsito em sentido contrário õnos semáforos. “Do ponto de vista estratégico, temos definitivamente a ambição de õnos tornarmos globais”, assume James Peng, o diretor-executivo da Pony.AI. “Porque as necessidades de mobilidade estão em toda a parte. Usar a tecnologia para ter um impacto social positivo deve ser a nossa ambição.” Naturalmente que OS EUA também têm robôs,táxis Em 2024, a Waymo, propriedade da Alphabet (empresa,mãe do Google), efetuou 4 milhões de viagens pagas em transporte autónomo, em Phoenix, SâO Francisco e Los Angeles. Mas a concorrência é escassa. A Zoox, apoiada pela Amazon, Sõ O ano passado conseguiu as autorizações necessárias para transporte público em Foster City, na Califórnia. A Tesla vem afirmando, desde 2016, que está a um ano de lançar um robô-táxi; o CEO, Elon Musk, garantiu recentemente que o seu Cybercab estaria pronto em 2027. Mais notável ainda é a quantidade de players que abandonaram o setor. A Uber vendeu o seu negócio de condução autónoma em 2020, após uma colisão fatal. Dois anos depois, a Ford desistiu da sua participação na empresa que desenvolvia robôs-táxis Argo AI. Em 2023, a General Motors interrompeu todas as operações com veículos autónomos da Cruise LLC, apesar de já aqui ter investido 10 mil milhões de dólares [quase 9 mil milhões de euros], na sequência de colisões que levaram à suspensão das suas licenças na Califórnia. [Na China, embora uma onda recente de acidentes envolvendo veículos autónomos não tenha diminuído o apoio oficial, o governo proibiu, em 17 de abril, a palavra “autónomo” õnos anúncios de automóveis.] Comparativamente, a Pony.AI enfrenta uma grande concorrência, porque na China há também a Apollo Go, a DiDi, a AutoX e a WeRide , esta última opera em 30 cidades de nove países , todas clamando uma quota de mercado com apoio expresso do governo. Em agosto de 2024, as autoridades chinesas de segurança pública emitiram 16 mil licenças de teste para veículos autónomos e autorizaram testes em mais de 32 mil quilómetros de estradas. O que distingue a China, esclarece James Peng, o CEO da Pony.AI, é que, embora as licenças sejam de início muito difíceis de obter, uma vez concedidas o governo dá apoio total. “Nos EUA, é fácil conseguir uma licença, mas, se houver um acidente e a culpa for nossa, somos penalizados duramente.” APOSTAR EM INDUSTRIAS DE FUTURO Em vez de promover os próprios campeões nacionais, a estratégia dos Estados Unidos da América visa abrandar o principal rival através de controlos de exportação mais apertados. Mas a China está a recuperar do atraso. Nos semicondutores , uma indústria decisiva que atualmente é liderada pelos EUA =, o chip de Inteligência Artificial Ascend 910c da Huawei terá agora um desempenho de 60% nas chamadas “tarefas de inferência” [o processo de execução da IA ao vivo, através de um modelo treinado para fazer previsões ou resolver uma tarefa complexa”l, alegadamente maior do que o seu mais recente concorrente, O H100 da Nvidia. Se os modelos anteriores da NIO continham quatro chips da Nvidia, O seu mais recente topo de gama ET9 já tem dois concebidos na China. “é precisamente a escassez de semicondutores que está a levar Pequim a desenvolver os seus mais rapidamente”, constata o reitor Frank Bournois, em Xangai. A China também corre para levar a supremacia dos veículos elétricos a outros setores. Os robôs humanoides produzidos pela Unitree, com sede em Hangzhou, causaram grande alvoroço õnos lares chineses quando apareceram a abanar leques coloridos e a dançar neficiam os veículos elétricos, argumentando que esta indústria tem idêntico potencial de crescimento nos próximos 5 a 20 anos. A China também está a ganhar terreno na chamada economia de baixa altitude “táxis voadores” autónomos, entregas por drones e outros produtos na categoria de Mobilidade Aérea Urbana. Em março, O MIIT e a agência reguladora nacional da aviação civil e dos transportes divulgaram um plano que vai preparar durante 6 anos os regulamentos para portagens aéreas, licenças de pilotos e criação de zonas de teste onde aeronaves de descolagem e aterragem vertical (eVTOL, sigla inglesa para “electric vertical take-off and landing”), ainda em fase inicial, possam voar em ambientes urbanos reais. O Relatório de Trabalho Governamental de 2025, aprovado pelo Congresso Nacional do Povo, definiu esta indústria de futuro como prioridade do Estado. ê O setor dos veículos elétricos da China a funcionar, uma vez mais, como espinha dorsal. Entre as empresas pioneiras de eVTOL estão a EHang, a AutoFlight, a XPeng e a AeroFugia, subsidiária da Geely. “Já temos a infraestrutura básica pronta para a indústria de baixa altitude”, regozija-se Burt Gao, cientista-chefe da AeroFugia. “Além disso, a nossa cadeia de abastecimento é a mesma dos veículos elétricos,” ê claro que nem tudo é positivo para a China. O país enfrenta inúme-ros desafios económicos, incluindo deflação, governos locais afogados em dívidas, fraco consumo, quebra vertiginosa no valor do imobiliário, desemprego recorde entre os jovens e uma bomba-relógio demográfica (envelhecimento rápido da população e baixa natalidade). O quadro regulamentar da China e, em especial, as suas regras draconianas óno que respeita à transferência de dados são um anátema para parceiros estrangeiros. Em setembro de 2024, a Câmara de Comércio da União Europeia na China (EU-China Business Association) emitiu uma declaração com mais de mil recomendações com vista a um acesso “mais justo e equitativo” ao mercado chinês. [Em 29 de maio, a mesma instituição alertou que as restrições chinesas às exportações de terras raras, impostas em abril, podem paralisar as fábricas europeias “em poucos dias”, porque “estão a ficar sem materiais para produção”.] DESAFIOS PARA A AMêRICA DE TRUMP Há que contar igualmente com o efeito, ainda desconhecido, de uma guerra comercial com os EUA, para onde a China enviou, o ano passado, 14,7% das suas exportações, avaliadas em 438,9 mil milhões de dólares [quase 390 mil milhões de euros]. Não obstante tudo isto, a realidade é que, enquanto OS EUA se isolam, a China tem uma oportunidade de ouro de redefinir as relações comerciais com o resto do mundo. Em meados de abril, após o ataque global das tarifas de Trump, o seu homólogo Xi Jinping iniciou uma ofensiva de charme óno Sudeste Asiático, onde avisou que uma guerra comercial “não terá vencedores” e que o protecionismo “não leva a lado nenhum”. Assim como os controlos às exportações estimularam a inovação na China, uma guerra comercial conduzida pelos EUA só coloca as empresas chinesas numa posição mais favorável. “Nos dias de hoje, a fasquia é baixa em termos de aparecer um parceiro mais fiável e construtivo do que OS Estados Unidos da América”, atesta Ilaria Mazzocco, investigadora no CSIS. Já antes aqui estivemos. O Reino Unido tornou-se a maior superpotência económica mundial nos séculos XVIII e XIX por ter sido o pioneiro da industrialização. Mas OS EUA adotaram essas tecnologias e, por terem um mercado mais vasto e capacidade de fabrico, cedo se tornaram os líderes globais tanto na inovação como no comércio. O que agora importa saber é se os EUA conseguirão sobreviver a uma guerra comercial que ameaça diminuir drasticamente os seus mercados, ao mesmo tempo que, devido à nova política de Donald Trump de retirar fundos às universidades e centros de investigação, prejudicam o desenvolvimento de tecnologias críticas. A China produz hoje duas vezes mais publicações sobre Inteligência Artificial amplamente citadas em obras de referência. Um relatório recente da Information Technology and Industry Foundation, com sede em Washington, revela que a China está perto da liderança em inovação e ainda mais avançada em 6 de 10 indústrias de futuro. Se os veículos elétricos forem um bom augúrio, os dias dos EUA na vanguarda da tecnologia poderão estar contados. “Acreditamos que o mercado chinês tem os melhores talentos”, sublinha o diretor-executivo da NIO, William Li. “Todos OS anos, há vários milhões de recém-licenciados em Ciência e Tecnologia. E eles, tal como o seu governo, estão determinados a aproveitar a oportunidade. IV visao@visao.pt A Inovação em larga escala A fábrica da NIO, em Anhui, pode entregar, em dez dias automóveis totalmente personalizados com 3,5 milhões de combinações específicas ^ Exportações Enquanto OS EUA se isolam, a China tem uma oportunidade de ouro de redefinir as relações comerciais com o resto do mundo Ultrapassar OS EUA os fabricantes chineses deverão representar um terço do mercado mundial de veículos elétricos até 2030 De importador líquido de carros até 2020, a China envia atualmente para o estrangeiro mais veículos do que qualquer outra nação Nos smartphones, painéis solares ou 5G, a China combina apoio estatal com economias de escala e um mercado interno ferozmente competitivo Nova era o “cérebro” dos veículos elétricos continua a ser atualizado regularmente, como se fossem smartphones V Futuro A Inteligência Artificial é fulcral no processo de fabrico e na condução, a caminho de se tornar autónoma “Antigamente, os chineses sentiam-se felizes por copiar os outros, só para não passar fome. Hoje, eles procuram um sentido de missão” TIME © 2025, TIME Inc. Todos os direitos reservados. Traduzido da TIME Magazine e publicado com autorização da TIME Inc. Em terra e no ar A China quer transferir a sua tecnologia de drones para táxis aéreos, em poucos anos CHARLIE CAMPBELL