UCRÂNIA ENTRE A GUERRA E OS ESCÂNDALOS
2025-12-09 06:00:08

Problemas de corrupção que envolvem o círculo próximo de Zelensky mostram que o país pouco evoluiu no combate ao fenómeno. Estado de direito está "permanentemente em risco”, afirma analista luis.p.carvalho@jn.pt combate à corrupção, soba supervisão de Bruxelas, que considera o tema fundamental. Mas os mais recentes escândalos (ler ao lado), no círculo próximo de Volodymyr Zelensky, voltama a acender um holofote sobre o tema, que tem sido relegado politicamente para segundo plano. “o papel de Zelensky nesta matéria é preocu-ANáLISE “Bem-vindo à Ucrânia, a nação mais corrupta na Europa”. e desta forma que começa um longo texto do jornal “The Guardian”, publicado em 2015, com o retrato muito duro de um país a braços com problemas estruturais, políticos e económicos, sempre com um fator comum: a corrupção enraizada na sociedade. E a evolução nos últimos dez anos é ténue, segundo dados da Transparência Internacional, principalmente quando se percebe o ponto de partida, explica Pedro Ponte e Sousa, professor de Relações Internacionais da Universidade Portucalense. “Continua um resultado muito baixo para um candidato que ambiciona aderir à UE”, afiança sobre a 105.8 posição no ranking de Perceção de Corrupção, vaticinando ser “muito provável que a grande disponibilidade de fundos externos (europeus e outros, para a guerra, financiamento do Estado, reconstrução) seja demasiado apetecível”, criando “todos os incentivos para que a corrupção se mantenha uma característica persistente nas elites ucranianas”. PERCURSO SINUOSO Com a vontade de aderir à União Europeia, a Ucrânia comprometeu-se com o pante e problemático”, sublinha Ponte e Sousa, destacando que o despedimento imediato de todos os suspeitos é uma forma de se “sobrepor ao trabalho das autoridades”. Recorda ainda a tentativa de enfraquecer ou subordinar os principais órgãos anticorrupção, em julho, um facto salientado também pela Comissão Europeia num relatório de novembro, em que se mostram “dúvidas sobre o empenho da Ucrânia na agenda de luta contra a corrupção”. A lei, que limitava a independência do Gabinete Nacional de Luta contra a Corrupção e do Gabinete Especializado Anti-Cor rupção da procuradoria, acabou revertida pela pressão externa da UE, mas também interna, “mesmo perante as enormes restrições às liberdades civis e políticas que proibiram dezenas de partidos políticos e impuseram controlo estatal da informação”, lembra o especialista. “Não são episódios isolados, nem a ação de Zelensky tem sido credível o suficiente. O Estado de direito tem estado permanentemente em risco na Ucrânia, e Zelensky não tem contribuído para o seu reforço.” No mesmo relatório, com recomendações para 2026, destacam-se ainda pressões sobre instituições que tratam do tema, até recorrendo a investigações judiciais retaliatórias. KIEV Zelensky destituiu, na semana passada, o chefe de gabinete, Andriy Yermak, considerado um dos homens mais influentes do pais, após buscas em casa. Foi o culminar de um mês dificil para a Presidência ucraniana, depois de ter sido revelado um esquema de corrupção com ramificações muito próximas da liderança política do país. Yermak liderava a delegação ucraniana nas reuniões com Washington e era um dos elementos mais importantes da equipa do chefe de Estado. A saída de cena ocorre apenas duas semanas depois da revelação de um escândalo de corrupção ono setor energético, que resultou, no início de novembro, em várias prisões e na destituição de dois ministros. O Gabinete Nacional de Luta contra a Corrupção revelou a existência de um “sistema criminoso”, orquestrado, segundo os investigadores, por um aliado do presidente, o milionário e amigo próximo Timur Mindich (ler ao lado). A rede terá conseguido desviar cem milhões de dólares (86 milhões de euros) ono setor energético. Yermak é mencionado em gravações de conversas dos suspeitos, onde lhe são atribuídas ordens para pressionar as estruturas anticorrupção. Nelas, é o poder de “Ali Babá” identificado como “Ali Babá”, formado a partir das primeiras letras do nome, Andriy Borisovich. Ex-produtor de cinema e jurista especializado em propriedade intelectual, trabalhou ao lado de Zelensky onos anos em que o atual presidente era comediante. Para o analista político Volodymyr Fessenko, citado pela AFP, esta situação "enfraquece” a posição de Kiev nas negociações sobre o plano de paz e Moscovo aproveitará este escândalo “sem dúvida alguma”, para ganhar vantagem. A influência de Yermak sobre Zelensky tem atraido a atenção dos ucranianos desde o início da guerra e despertado perguntas, até mesmo ono círculo presidencial. Críticos indicam que o chefe de gabinete concentrava um poder excessivo, exercendo de facto o controlo da política externa do país e limitando o acesso ao presidente. e como se ele tivesse “hipnotizado” Zelensky, ironizou em novembro uma fonte de alto escalão do partido presidencial em declarações à AFP, afirmando que Yermak “afastou o Ministério das Relações Exteriores” das negociações com Washington. “Yermak não deixa ninguém aproximar-se de Zelensky, exceto os leais”, e procurava “influenciar quase todas as decisões da Presidência”, disse à AFP um ex-alto funcionário. . Dinheiro a alimentar corrupção Europa mantém apoio à Ucrânia e revela timidez em criticar Kiev politicamente Com o rebentar do escândalo de corrupção em novembro, envolvendo o milionário e amigo de Zelensky Tiur Mindich, as reações na Europa variaram entre os que viram uma prova de que Kiev não está a levar a sério a corrupção e os que olham para o lado positivo, revela o jornal “Politico”: a corrupção existe, mas está a ser combatida. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, foi dos únicos a fazer uma análise contundente: “Este é o caos em que a elite de Bruxelas quer atirar o dinheiro dos contribuintes europeus.” Entre os restantes países, segundo um responsável que pediu anonimato, mantém-se o “tabu” em criticar a Ucrânia e os apoios financeiros continuaram a ser aprovados e a chegar a Kiev, explica o mesmo jornal. Ponte e Sousa também deteta esta timidez europeia em criticar Kiev e pressionar Zelensky, para que atue de forma mais credível. “A Europa pretende manter viva a Guerra Fria 2.0 que mantém com a Rússia. Os interesses geoestratégicos da UE SObrepõem-se às preocupações com a corrupção na Ucrânia, que é ignorada ou minimizada pelas lideran-ças europeias. e um erro”, afirma o analista, que critica ainda a forma como a Europa está a limitar o país “no que toca a chegar a bom porto ono processo de paz, impedindo-a de negociar e traçando linhas vermelhas inaceitáveis para os outros atores do processo diplomático”. Posto isto, “não se vislumbra que a UE passe a ter uma preocupação real e efetiva com a corrupção na Ucrânia, pelo menos enquanto a adesão não estiver mais perto do que está agora”. Certoé, diz, que a Europa está a pagar uma guerra e corrupção em larga escala e que isso “vai minar o apoio que a opinião pública europeia possa dar à Ucrânia, e reforçar o isolamento dos governos europeus face à vontade dos cidadãos em encontrar uma solução negociada”. Pior ainda, já que os países europeus se mostram preocupados com o fenómeno a nível interno, mas parecem ser incapazes de “reconhecer e agir perante a corrupção na Ucrânia”. MUNDO SABER MAIS A par do Uganda Ranking da Transparência Intermacional sobre perceção da corrupção, em 20I4 colocava o país em I42.® lugar, a par do Uganda e atrás da Nigéria. Melhoria Em 2024 a Ucrânia surge com 35 pontos (em cem possíveis) e em IO5. o lugar no mesmo ranking, nu total de I80 paises. Valor acima de 2014, mas um lugar abaixo quando comparado com o ano anterior, 2023. Rússia pior A Rússia obteve 22 pontos no mesmo ranking, ficando em 154." lugar, a par do Azerbaijão, Honduras e Líbano. A invasão da Ucrânia “acelerou a degradação das instituições”. CRISES Sucessão de investigações abala Kiev Em 2023, o ministro da Defesa, Oleksi Reznikov, foi obrigado a renunciar após a revelação de escândalos relacionados com compra de uniformes e alimentos a preços inflacionados para o Exército. Em abril, vários altos funcionários do setor da Defesa foram presos, acusados de estarem envolvidos no fornecimento ao exército de dezenas de milhares de projéteis defeituosos. o sistema de recrutamento militar também tem sido uma fonte persistente de corrupção, o que levou Zelensky a destituir todos os responsáveis regionais em 2023 para erradicar o problema. Casos podem fragilizar poder negocial? Pedro Ponte e Sousa, professor e investigador no Instituto Português de Relação Internacionais, considera que os escândalos demonstram uma “enorme fragilidade política” de Kiev e elenca três formas possíveis de enfraquecimento da Ucrânia à mesa das negociações de paz: Apoio Perda de legitimidade interna e queda de confiança pública. 0 Diplomacia Perda de margem de manobra diplomática se parceiros europeus/ocidentaist exigirem reformas como condicionalidade para apoio. 8 Kremlin Encaixa no discurso do Kremlin sobre o “regime corrupto ucraniano”, capturado POr uma elite que explora o povo ucraniano e a Europa para seu beneficio próprio. As sondagens mostram queda de confiança em Zelensky após a tentativa de enfraquecer os órgãos anticorrupção e a Comissão Europeia, mesmo que timidamente, vincula avanços na adesão à UE ao eventual progresso no Estado de Direito na Ucrânia FIGURA Timur Mindich, o amigo de Zelensky Timur Mindich, empresário de 46 anos e muito próximo de Zelensky terá até celebrado um aniversário em casa dele em 202I ,) é coproprietário da Kvartal 95, a produtora fundada pelo presidente antes de entrar na política. Terá deixado o país pouco antes de a investigação ser pública, em novembro, possivelmente rumo a Israel, e é acusado de “controlar” a lavagem de dinheiro e a sua distribuição, no caso relacionado com corrupção na área energética. Terá influenciado decisões de altos funcionários, incluindo o ex-ministro da Defesa Rustem Umerov, agora secretário do Conselho de Segurança Nacional. Fonte presidencial assegurou à AFP que Zelensky foi apanhado de surpresa e apoia “plenamente” a investigação, tendo até imposto sanções milionárias a pessoas próximas. Exigiu a renúncia do ministro da Justiça, German Galushchenko, e da ministra da Energia, Svitlana Grinchuk. Galushchenko, ex-ministro da Energia, é acusado de ter recebido “benefícios pessoais”. Andriy Yermak era o chefe de gabinete do presidente ucraniano e foi alvo de buscas O mais recente caso levou à demissão do homem de confiança de Zelensky EUR Zelensky atingido Por casos de corrupção que envolvem pessoas próximas Luís Pedro Carvalho