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A ENCRUZILHADA DO AUTOMÓVEL EUROPEU

Jornal das Oficinas Online

2025-12-08 22:07:30

O setor automóvel vive um dos seus maiores momentos de transformação e os desafios atuais estão a fazer suar os CEO das maiores empresas automóveis na Europa, que temem uma forte crise na indústria. As marcas europeias não estão a conseguir acompanhar as regulamentações que obrigam à redução de emissões de gases de estufa e veem-se ultrapassadas pelos fabricantes chineses que já se começam a implementar no velho continente Com as vendas de automóveis na Europa a diminuir e a concorrência mundial a aumentar, a indústria implora por uma mudança de estratégia junto da Comissão Europeia, para realinhar os objetivos com a atual realidade. Que rumo terá o setor? Como poderão as velhas marcas europeias resistir a estas mudanças? Neste artigo explicamos o que está em causa e o que andam os grandes decisores a fazer em relação a este tema. Os números não deixam dúvidas de que a situação é crítica. Só na primeira metade de 2025, de acordo com os dados da ACEA (Associação de Fabricantes Europeus de Automóveis), as vendas de automóveis na Europa caíram 2,4%, face ao mesmo período do ano passado. Já em comparação com o primeiro semestre de 2019, venderam-se no período homólogo de 2025 menos 1,56 milhões de carros. O mercado de veículos elétricos está a crescer paulatinamente e as marcas chinesas , como é o caso da BYD, de que quase ninguém tinha ouvido falar há cinco anos , estão a duplicar o seu market share na Europa e já correspondem a 6% das vendas totais neste continente. Já há notícias de fábricas que anunciam o fecho de portas e milhares de empregos estão ameaçados. As metas climáticas estão aí à porta e haverá multas pesadas para os fabricantes que não as cumpram, ainda que isso não dependa apenas dos seus esforços e investimentos. A questão é que muitos dos grandes fabricantes europeus já perceberam que não será possível cumpri-las e, perante a entrada de adversários fortes no mercado, estão a perder terreno e não têm outra solução a não ser pedir aos responsáveis políticos que atrasem prazos, para que a indústria consiga sobreviver e competir face à concorrência mundial, que apresenta soluções equivalentes e muito mais em conta. À pressão da legislação junta-se a concorrência global e a subida de preços, deixando o setor em perigo e à beira de uma catástrofe. Será que o objetivo da neutralidade carbónica é exequível ou não passa de um tiro no pé da indústria automóvel? O que pode ser feito para que os fabricantes europeus de automóveis consigam dar a volta por cima, neste momento, fugindo ao que pode ser uma morte anunciada? Uma crise complexa Há vários fatores a contribuir para esta crise latente na indústria automóvel e o primeiro é a própria legislação que foi criada nos últimos anos. A neutralidade carbónica é uma meta estabelecida para 2050, com o Fit for 55 a advogar uma redução de 55% nas emissões de gases com efeito de estufa até 2030, comparado com os níveis de 1990, como parte do Pacto Ecológico Europeu. Além disso, não se poderão comercializar automóveis com motor de combustão interna já a partir de 2035, daqui por apenas dez anos. Para cumprir esta nova regulamentação, os fabricantes fizeram avultados investimentos, para conseguir responder às exigências da Europa, com novas tecnologias, como os veículos elétricos. Isso faz, naturalmente, com que os carros fiquem mais caros, e com que as marcas não se sintam em condições de manter a sustentabilidade do seu negócio, perante consumidores com cada vez menor poder de compra. Além disso, para que a transição para a mobilidade verde seja atrativa para o cliente, é preciso começar por tornar os veículos elétricos (VE) , muito , mais competitivos. Mesmo com incentivos, estes tendem a ter um custo inicial bastante superior ao equivalente a combustão (ou híbrido) e tal não está ainda ao alcance da maioria dos europeus. A par disso, o custo da energia é, ainda, um grande senão na compra de um VE. A falta de competividade também neste âmbito é gritante e não se afiguram soluções à vista. Depois, é fulcral o desenvolvimento de várias outras áreas paralelas, a começar pela infraestrutura de carregamento. Sem postos públicos suficientes (e que se encontrem bem distribuídos!), os veículos elétricos não podem prosperar, porque os condutores receiam ficar sem bateria, tal qual receiam depender de estações insuficientes, lentas ou caras. Uma escolha (pouco) óbvia Por isso, comprar hoje um veículo elétrico, na Europa, ainda não é uma escolha óbvia. E se os consumidores continuam a hesitar no momento da aquisição é porque não estão reunidas todas as condições para que se sintam confiantes em dar o salto para a eletrificação. Note-se que 75% das estações de carregamento da Europa estão localizadas em apenas três países (Países Baixos, França e Alemanha), estando disponíveis em todo o continente apenas cerca de 880.000 carregadores. Contudo, segundo as estimativas da ACEA, é necessário que existam, até 2030, 8,8 milhões de pontos de carregamento, dez vezes mais do que aqueles que existem neste momento. Isso significa que, até lá, para que isso fosse uma realidade, teriam de ser instalados mais 1,5 milhões de carregadores por ano, o que corresponde a uma velocidade quase dez vezes superior à taxa atual de instalação, o que, só por si, levanta muitas dúvidas de que seja possível acontecer. Por outro lado, a quota dos mercados de veículos elétricos a bateria na Europa situa-se nos 15%, o que não é suficiente para o avanço de uma tecnologia considerada decisiva para o futuro. Devido à legislação criada, os fabricantes, tanto de veículos ligeiros, como de veículos pesados, foram chamados a desenvolver novas tecnologias que permitissem fazer face aos desafios climáticos e não há qualquer dúvida de que foram bem-sucedidos. Neste momento não faltam alternativas, desde veículos elétricos, veículos híbridos e até a hidrogénio, com distintas motorizações e autonomias que já não causam ansiedade. Já não se trata de uma questão de engenharia, mas sim de desafios sistémicos que exigem uma evolução de todo um ecossistema que não se está a desenvolver à velocidade esperada e imprescindível. O facto é que falhar os objetivos significa multas muito pesadas, a recair apenas sobre os fabricantes de veículos, que, no fundo, acabam por estar dependentes, como já vimos, de terceiros, quer sejam os fornecedores de energia, os operadores de infraestruturas de carregamento, os operadores de transporte e, necessariamente, os decisores políticos. E é a eles que a indústria automóvel pede ação: prevendo problemas económicos e jurídicos no horizonte, quer uma revisão dos atuais regulamentos sobre CO2 o mais depressa possível. Os estragos já se sentem Recentemente, a Stellantis anunciou que vai abandonar o plano estratégico de ter apenas veículos elétricos em 2030. Na abertura do Salão de Munique (IAA 2025), Jean-Phillipe Imparato, diretor-executivo do grupo na Europa, fez o anúncio, afirmando que as metas de emissões da União Europeia para 2035, que preveem o fim do motor a combustão, são inalcançáveis para qualquer construtor automóvel, e mostrando a necessidade de rever os planos de transição e de procurar alternativas para reduzir as emissões poluentes. O responsável indica que a gama da Stellantis será “multi-energia, MHEV, HEV e PHEV, o que poderá ser muito interessante em termos de caraterísticas e desempenho”. Por outra perspetiva, Imparato sugere que a UE avalie o CO2 que é poupado em caso de abate: “Ao abater um carro de 2010, são cerca de 76 gramas de CO2. Não quero que me deem dinheiro, quero que se reconheça apenas que trocar de carro é o suficiente para obter o nível certo de emissões para o cliente final estar em conformidade”, aponta. Antes disso, em finais de 2024, a Volkswagen já dava conta da possibilidade de encerrar três fábricas na Alemanha, de eliminar dezenas de milhares e postos de trabalho e de fazer cortes salariais transversais que podem chegar aos 10%. Os planos de reestruturação anunciados passam também pela redução da atividade em todas as unidades de produção na Alemanha. Tudo por conta dos elevados custos operacionais do grupo, numa fase em que este enfrenta dificuldades relacionadas com a diminuição da procura na Europa e a intensificação da concorrência de fabricantes chineses, com os sindicalistas a considerar desde logo que a transição para os veículos elétricos foi mal gerida. Só em 2024, a Alemanha , berço de alguns dos mais famosos fabricantes de automóveis da história , perdeu 50 mil postos de trabalho neste setor. A título de exemplo, em Inglaterra, resta agora apenas uma marca 100% britânica, a Morgan. Em fevereiro deste ano, depois de ter visto a produção ser reduzida e de 1500 a 2000 postos de trabalho terem sido cortados, a fábrica da Audi em Bruxelas encerrou definitivamente, despedindo três mil trabalhadores. Parece que a Europa se virou contra a própria Europa e está agora a acontecer o impensável, com as grandes marcas europeias a sucumbir perante a legislação que não se compadece com os estragos que vai fazendo, quando deveríamos estar a ver uma transição suave dos combustíveis fósseis para a eletrificação do parque automóvel. Hoje, as empresas europeias não estão apenas a competir com o resto do mundo, mas sim com os seus próprios governos, que criaram condições para a revolução dos veículos elétricos, mas esqueceram-se de garantir que seriam também as marcas europeias a beneficiar disso. O que fazer? No papel, o que parecia perfeito, começa a tornar-se um pesadelo para os construtores, que não conseguem acompanhar o mercado e entendem que as restrições aos motores a combustão não são realistas. Por isso, os mais altos responsáveis do setor automóvel uniram-se para fazer face aos desafios mais prementes, estando já em conversações com a presidente da Comissão Europeia, Usula von der Leyen, naquilo a que apelidaram de Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Indústria Automóvel . E quando são os habituais vencedores a pedir um time-out , é sinal claro de que algo não está bem no jogo . A este propósito, Ole Källenius, presidente da Associação de Fabricantes Europeus de Automóveis (ACEA) e diretor-executivo da Mercedes-Benz, já veio dizer que o objetivo continua a ser trabalhar para as zero emissões, mas defende “uma forma melhor de lá chegar”. Em entrevista à Euronews, o responsável lembra que, “enquanto fabricantes, já investimos centenas de milhares de milhões de euros e colocámos no mercado centenas de modelos com emissões zero. No entanto, o mundo evoluiu e a política e a legislação também precisam de evoluir. É por isso que estamos a defender uma recalibração pragmática da trajetória de redução das emissões de CO2. Não se trata de abandonar os nossos objetivos, mas sim de os alinhar com as atuais realidades do mercado, condições económicas e cenário geopolítico”. Para assegurar uma transição bem-sucedida para a mobilidade ecológica, o presidente da ACEA fala numa “estratégia holística e pragmática da UE, que não se limite aos objetivos de CO2. Precisamos de uma regulamentação mais simples e mais flexível, de reduzir a burocracia, de recalibrar os objetivos de forma realista, de incentivos consistentes e a longo prazo, para promover a adoção pelos consumidores, bem como de permitir a neutralidade carbónica”. O CEO da Scania, Christian Levin, que assume a pasta dos Veículos Comerciais da ACEA, sublinha que “atualmente podemos oferecer soluções para todas as necessidades de transporte. No entanto, apesar da prontidão da indústria, a atual via regulamentar corre o risco de nos levar ao fracasso, porque a maioria das condições que tornariam possível esta transição não existe atualmente”. De facto, ao abrigo do quadro regulamentar europeu, os fabricantes de camiões e autocarros são os únicos expostos a sanções por incumprimento, embora esta transição dependa também de outros setores e “isso não é nem justo, nem sequer uma estratégia industrial inteligente”, alerta Christian Levin. O que é pedido à Comissão Europeia, neste momento, é que: Acelere já a revisão do regulamento relativo ao CO2 dos veículos pesados e não em 2027, para garantir que as interdependências entre os setores dos transportes e da logística sejam plenamente refletidas no regulamento; que efetue uma avaliação sólida do estado das condições propícias para o setor e uma implantação realista em todos os Estados-membros: desde a infraestrutura de carregamento e de hidrogénio, passando pela capacidade da rede, à paridade dos custos e aos incentivos específicos do lado da procura; e, por fim, que colabore em grupos de trabalho centrados na transição da indústria para que as soluções possam ser adaptadas e para que os fabricantes europeus de camiões e de autocarros possam defender a sua liderança mundial. Levin garante que o setor está “totalmente empenhado em conduzir a transição para a neutralidade climática, mas tal não produzirá resultados sem políticas de apoio que correspondam à nossa urgência e realismo”, salienta, alertando que o Diálogo Estratégico tem de ser “um ponto de viragem”, porque é preciso que a Europa “lidere o caminho dos transportes sustentáveis, salvaguardando simultaneamente a sua competitividade”. Adiar ou não adiar? O debate é crucial, envolve o futuro de mais de 13 milhões de trabalhadores no setor automóvel e já se fazem também ouvir os partidos, à esquerda e à direita, com opiniões distintas sobre o rumo a dar ao assunto. Se, da esquerda se escutam os ambientalistas clamar pela forte possibilidade de fracassar as metas climáticas caso a UE ceda aos pedidos da indústria e adie os prazos, da direita há vozes, como a do italiano Salvatore de Meo, do Partido Popular Europeu (PPE), que considera que “a meta imposta à indústria automóvel é cada vez mais inalcançável a médio/longo prazo” e o mesmo tem pressionado “para que os objetivos de sustentabilidade respeitem também os aspetos sociais e económicos”. De Meo pede mais “pragmatismo” e acredita que mudar as metas “significa dar a possibilidade às empresas que talvez tenham mais dificuldades na adaptação de o fazerem num prazo diferente”. O PPE já apresentou mesmo (em dezembro de 2024) um plano de cinco pontos para aumentar a competitividade no setor automóvel, pedindo também um quadro regulamentar simplificado. O partido é acompanhado, nesta posição, pelos Conservadores e Reformistas Europeus e pelos Patriotas pela Europa que rejeitam o foco nos carros elétricos e a regulamentação excessiva, defendendo soluções alternativas, “como os biocombustíveis”, que não são considerados pela legislação existente que, recorde-se, proibirá a venda de qualquer veículo que produza emissões de CO2 a partir de 2035. E, se é verdade que as investidas do mercado chinês têm uma grande influência nesta problemática [já lá vamos], também não é menos verdade que o principal inimigo da Europa, neste momento, são os custos. Tudo aqui é mais caro e, mais do que concorrência de mercado, as empresas europeias enfrentam dificuldades internas e a inércia da história. Na Europa, com fábricas mais antigas e menos tecnológicas, produzir automóveis torna-se sempre mais dispendioso, se fizermos as contas e somarmos os custos de consumo de energia, o preço dos materiais e da mão-de-obra. As fábricas desatualizadas e menos preparadas para construir veículos modernos vão ficando mais vazias, porém as contas continuam a chegar ao final do mês e o caminho, mais cedo ou mais tarde, é apenas o da ruína. Tudo custos que uma fábrica mais recente, na China, não tem. Um inimigo chamado China A luta é desigual. As marcas que, no século XIX, foram responsáveis pela criação daquilo que conhecemos hoje como automóvel moderno tornaram-se, com o passar dos anos, dependentes da China, não só como fornecedor, mas também como mercado de venda. Começou por importar tecnologia automóvel para montar veículos dentro das suas fronteiras, mas graças a um plano estratégico forte, assente em investimentos, incentivos à produção local e apoio estatal à inovação, a lógica foi revertida. Hoje, a China é responsável por cerca de 42% de todos os automóveis fabricados no mundo e marcas como a BYD, a Geely, a NIO, ou a Xpeng são líderes nos seus segmentos. Com o advento dos veículos elétricos, os chineses rapidamente decifraram o código deste negócio e duplicaram as vendas. Sendo praticamente o único país a controlar a produção mundial de baterias e graças aos baixos custos de mão-de-obra, a China transformou-se no principal centro de fabrico de veículos elétricos, com automóveis cada vez mais competitivos. Um dos segredos está na empresa CATL (Contemporary Amperex Technology Co. Limited), que é atualmente o maior fabricante de baterias para veículos elétricos do mundo. Em 2024, aproximadamente 37% dos veículos elétricos vendidos globalmente utilizavam baterias desta empresa chinesa. Além de dominar o mercado, a CATL tem impulsionado inovações importantes, como o desenvolvimento de plataformas de baterias que oferecem autonomias superiores a 1.000 km e estações de troca de baterias mais eficientes. Graças ao acesso a materiais acessíveis, à capacidade de produção em massa e a uma estratégia agressiva de expansão global, a CATL prepara-se para dominar o mercado de baterias para veículos elétricos. Esta empresa chinesa já tem uma fábrica na Alemanha, vai iniciar produção na Hungria ainda este ano ou no início do próximo e assinou um acordo com a Stellantis, investindo quatro mil milhões de euros numa fábrica em Espanha, com o objetivo de fortalecer a sua posição no mercado internacional e de reduzir as dependências logísticas. Assim, a China consegue controlar toda a cadeia de valor dos carros elétricos, desde a extração de lítio e cobalto, a produção das baterias e montagem dos próprios veículos, permitindo-lhe apresentar carros tecnologicamente avançados, seguros e com preços muito em conta. Com menos custos, fábricas mais eficientes, uma estratégia flexível, vantagens de fornecimento massivas e capacidade para equivaler à qualidade europeia, conseguem absorver perdas, adaptar-se depressa e escalar rápido , Um verdadeiro pesadelo para as marcas europeias. Os custos de produção são tão baixos e as cadeias de abastecimento tão eficientes que conseguem até absorver as tarifas impostas pela UE e, ainda assim, ter preços mais baixos do que os modelos europeus equivalentes. Só para termos uma ideia, a BYD consegue fabricar um carro na Europa por 25.000EUR. São mais 25% do que se o fizesse na China e, pasme-se, ainda assim, 10.000EUR mais barato do que uma empresa europeia consegue fazer por um carro semelhante. Continuam a ser rentáveis e chegam ao mercado europeu mais baratos, mais rápidos e frequentemente melhores na indústria automóvel. Dentro de portas Quando a Europa acordou para esta perigosa realidade, decidiu implementar impostos e agora há carros chineses a pagar quase 50% em custos extras. A questão é que isso não resolve o problema, pois, de acordo com Carlos Tavares, ex-diretor-executivo da Stellantis, estas tarifas estão a fazer “ricochete”. Ao invés de afastarem os fabricantes chineses, estão a obriga-los a construir fábricas na Europa e, deste modo, as empresas europeias vão acabar a competir com eles no seu próprio quintal . Ferdinand Dudenhöffer, economista e diretor do Centro para a Pesquisa Automóvel, na Alemanha, é da opinião que deve haver uma maior aproximação aos chineses, dizendo mesmo que “seria estúpido não cooperar com eles, uma vez que estes têm todas as cartas na mão”. Longe vão os tempos em que o que era chinês se limitava a ser uma imitação barata do original. Hoje, as marcas chinesas primam pela qualidade e estão a dar cartas num mercado reconhecidamente competitivo como é o europeu. Para conseguirem tornar-se ainda mais rentáveis, estão a dar o passo seguinte, que é o de construir fábricas na Europa. A BYD tem duas em construção, esperando-se que a primeira, na Hungria, abrigue a sede da empresa na Europa e um centro de R&D, com a produção a começar no final deste ano. Já a fábrica da Turquia representa um investimento de cerca de mil milhões de dólares e tem início de produção agendado para março de 2026. Para o futuro está a ser considerada a possibilidade de construir uma terceira fábrica na Alemanha. A verdadeira ofensiva asiática ainda não começou, mas falta muito pouco. O compromisso da Comissão Europeia Depois de três reuniões do Diálogo Estratégico, a Comissão Europeia assumiu o compromisso de apoiar o fabrico de baterias para VE e deu mais flexibilidade para o cumprimento dos objetivos deste ano das emissões de CO2. Mais do que isso, quer apoiar o acesso da indústria automóvel europeia a tecnologias estratégicas fundamentais (baterias, software e condução autónoma), para reduzir encargos regulamentares. A Comissão Europeia anunciou também um fundo de 1,8 mil milhões e euros com o objetivo de criar uma cadeia de abastecimento segura e competitiva para as matérias-primas das baterias. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, consciente da necessidade de adaptar a oferta de automóveis à procura real dos europeus, revelou uma iniciativa que aposta em veículos mais pequenos e mais baratos: “Temos de investir em veículos compactos e económicos, tanto para o mercado europeu como para satisfazer a forte procura mundial. Para o efeito, vamos propor trabalhar com a indústria numa nova iniciativa intitulada Small Affordable Cars [Carros Pequenos a Preços Acessíveis, em português]. Menos burocracia, menos regras , afirmou. A ideia não é inédita e foi recuperada dos tempos pós-Segunda Guerra Mundial, em que a escassez de recursos levou ao desenvolvimento de microcarros, para duas pessoas. Estes veículos tornaram-se populares até aos anos 60, quando a recuperação económica permitiu que as famílias voltassem a comprar carros convencionais. Agora, von der Leyen acredita que a medida poderá impulsionar a produção de veículos mais económicos e competitivos fabricados na Europa e será a forma de fazer frente à investida da indústria chinesa, pois, segundo a mesma, “não podemos deixar que a China e outros conquistem este mercado”. O objetivo é desenvolver um automóvel elétrico que seja eficiente, económico e produzido na Europa, com cadeias de fornecimento locais. Será, assim, um sucessor de modelos como o Volkswagen Carocha, Renault 4 e Citroën 2CV, que no pós-guerra possibilitaram à Europa continuar em movimento. Estratégias das marcas Enquanto não se chega a um consenso, na Europa, sobre o que se irá ou não fazer, as marcas já foram traçando o seu caminho, para tentar sobreviver às metas impostas. A Volkswagen entrou no mercado low-cost, com um preço de entrada nos VE que se espera que ronde os 25.000EUR, com o ID.Cross. Em sentido inverso, segue a BMW, que aposta num segmento mais premium, como Neue Klasse iX3, que deixa de ser um SUV, para ser um sports activity vehicle , anunciando mais de 800 km de autonomia e conferindo um novo estatuto à era elétrica . Já a Renault opta por fazer escolhas mais práticas: a partir do próximo ano passará a utilizar novas baterias lítio-ferro-fosfato, adequadas para carros pequenos e médios, que além de menos dispendiosas, consomem menos energia. A Mercedes-Benz e a Audi escolhem cortar custos e reestruturar operações, ao passo que todo o grupo Stellantis, como já foi mencionado, abandonou o compromisso Dare Forward 2030 , de apenas vender veículos elétricos em 2030. Ainda há saída? A eletrificação, a inteligência artificial e a urgência ambiental estão a redesenhar o conceito de mobilidade, a economia global e o emprego. O automóvel do futuro já não é apenas um meio de transporte - é a peça central de uma revolução tecnológica e energética. A Europa ainda tem opções, mas a janela está quase a fechar-se e é preciso agir depressa. A China está a avançar rapidamente, a pressão regulamentar vai apertando, os custos não param de aumentar e os empregos já estão a diminuir. Fala-se muito, mas certezas ainda há poucas. Não se pode parar e perder tempo. É preciso decidir depressa, ou esta será apenas a crónica de uma morte anunciada da indústria automóvel europeia. Irá a Europa agir com a brevidade necessária? Se isso nos deixa descansados, Ursula von der Leyen garante que “o futuro dos carros e os carros do futuro tem de ser construído na Europa”. Aguardemos. https://www.yumpu.com/pt/document/read/70847884/revista-top-100-2025/176 [Additional Text]: 12 - encruzilhada_automovel Redação JO