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O DIA EM QUE TRUMP DECIDIU QUE A UCRÂNIA PODE VENCER O "TIGRE DE PAPEL", MAS NÃO COM A AMÉRICA

CNN Portugal Online

2025-09-29 21:06:33

Por João Guerreiro Rodrigues Para Trump, Volodymyr Zelensky já não é o "ditador" que "não tem cartas para jogar" e só trabalha para "prolongar a guerra". Agora, o presidente norte-americano "compreende completamente" o conflito e "os problemas económicos" que a Rússia - a que agora apelida de "tigre de papel" - está a atravessar. Por isso, o líder americano acredita que a Ucrânia, com o apoio europeu, está mesmo numa posição para "GANHAR todo o seu território de volta". "Putin e a Rússia estão em GRANDES problemas económicos, e este é o momento para a Ucrânia agir", escreveu Trump no Truth Social, depois do quarto encontro com o presidente ucraniano, à margem da 80ª Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque. Era uma reviravolta completa de meses de tentativas (falhadas) de aproximação à Rússia para juntar as duas partes na mesa de negociação, para que um acordo de paz fosse celebrado. Agora, Trump sugere mesmo que a NATO ataque as aeronaves russas que têm invadido o espaço aéreo aliado. Mas as palavras de Trump escondem a verdadeira intenção norte-americana. Com esta declaração, o presidente americano abre a porta para a saída de cena dos Estados Unidos, deixando a Europa para pagar a conta sozinha.  A mudança de retórica de Trump, que diz agora que a Ucrânia pode ganhar e recuperar o território, significa que agora já não existe necessidade para existir negociações de paz mediadas pelos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, reduz o papel americano ao "fornecimento de armas à NATO" que pode "fazer o que quiser com elas", mas que a vitória anunciada da Ucrânia terá de vir com o "apoio financeiro da Europa". Mas tal pode não ser realista e a líder da diplomacia europeia, Kaja Kallas, já o fez saber. Mas já existiam sinais de que esta era posição americana, com a administração a travar o envio de armamento para a Ucrânia no passado, bem como cortes no programa de treino para exércitos do leste europeu e as ameaças de abandonar os aliados da NATO que não cumpram a anterior meta de 2% do PIB em defesa. Esta perspectiva levou os europeus a intensificarem esforços para atingir a "autonomia estratégica" na área da Defesa, afastando-se de uma dependência crónica dos americanos. Portugal pode liderar o processo de desamericanização da Defesa na Europa Essa autonomia estratégica foi precisamente um dos principais argumentos da fabricante sueca Saab, que veio tentar convencer o executivo português a escolher o seu caça mais evoluído, o Gripen E, para substituir a frota de F-16 portuguesa. Estas aeronaves não são tão evoluídas quanto os caças furtivos F-35 da norte-americana Lockheed Martin, que a Força Aérea portuguesa prefere. No entanto, têm características que se adequam à realidade portuguesa, com um custo de operação significativamente mais reduzido e surge também como uma resposta direta à preocupação que o ministro da Defesa expressou repetidas vezes acerca da importância de tornar mais robusta a indústria da defesa e de reforçar a autonomia estratégica europeia. Nesse sentido, a empresa sueca assinou dois memorandos de entendimento com duas empresas portuguesas, a OGMA e a Critical Software, para procurarem estabelecer uma parceria no futuro para que a Saab consiga dar resposta ao aumento significativo da procura. Os executivos suecos abriram também a porta à possibilidade de integrar Portugal numa cadeia de produção global, semelhante ao que aconteceu com o Brasil, algo que acaba por estimular a economia nacional com empregos bem remunerados e altamente qualificados. A escolha para substituir a frota ainda não foi feita, mas a decisão portuguesa pode acabar por ter uma repercussão significativa a nível internacional, colocando o nosso país na liderança do processo de europeização da indústria de defesa do continente. O calcanhar de Vladimir Ninguém sabe qual informação Donald Trump teve acesso que lhe fez mudar de posição e classificar o "urso russo" como um "tigre de papel". Mais de três anos depois do início da invasão, a economia russa demonstrou uma resiliência que surpreendeu a maior parte dos analistas, apesar de um número recorde de sanções. Em 2024, chegou mesmo a crescer 3,6%, impulsionada por gastos militares e exportações de produtos petrolíferos para a Índia e para a China. Mas existem sinais de que as coisas estão a mudar e, em parte, a culpa é de uma nova estratégia ucraniana. Uma parte significativa do crescimento económico russo foi resultado do aumento significativo dos gastos militares, que consomem perto de 8% do PIB nacional. Perto de 40% dos fundos utilizados pelo governo russo para financiar o orçamento veem das vendas de produtos petrolíferos. E é aí que a Ucrânia está a concentrar os seus esforços, desde o início de agosto. Quase todas as noites, drones de longo alcance ucranianos atingem a infraestrutura petrolífera russa, travando por completo as operações de várias refinarias durante tempo indefinido.  E a estratégia parece estar a ter resultado. Desde o início de agosto, 16 das 38 refinarias do país foram atingidas, empurrando os dados de exportação de combustível para os níveis mais baixos desde 2020, ano em que a pandemia de covid-19 travou quase por completo toda a atividade comercial. Nas redes sociais, multiplicam-se imagens com centenas de carros parados numa longa fila à porta de bombas de gasolina que não têm combustível para vender. Inicialmente, este fenómeno começou a surgir em regiões remotas da Rússia, mas começam a surgir relatos de situações semelhantes junto da capital.  “Será realmente de loucos se, até o quarto ano de guerra, ainda não tivermos destruído o setor energético da Ucrânia, e eles acabarem por destruir o nosso”, admitiu um blogger russo pró-guerra. Zelensky descreveu esses ataques como sendo as "sanções que funcionam mais rápido", explorando a dependência russa de tecnologia ocidental para reparos, agora inacessível. Apesar de estes ataques criarem uma grande dor de cabeça, dificilmente levarão ao colapso económico da Rússia; no entanto, tornam as consequências da guerra mais próximas dos russos, para quem os efeitos do conflito eram até agora praticamente inexistentes, e isso pode preocupar, e muito, o Kremlin. A doutrina Trump Se dúvidas restavam, aí está Donald Trump para as dissipar. Eis uma das maiores conclusões do seu caótico discurso desta semana na assembleia-geral da ONU: o mundo mudou muito graças ao Presidente dos EUA no seu primeiro mandato e, cinco anos depois de se rirem dele, em plena segunda administração Trumpiana, muitos países, senão todos, deixaram de o subestimar. No seu discurso às outras 192 nações da organização, no ano em que esta completa oito décadas, Trump menosprezou a ameaça das alterações climáticas, alertou para a imigração excessiva e autoelogiou-se enquanto pacificador global, por ter acabado com sete guerras em sete meses (muitas delas inexistentes). Da lista não constam nem a guerra da Rússia na Ucrânia, nem a guerra de Israel contra os palestinianos , que, indiferentes às promessas do líder norte-americano, se intensificaram nos últimos meses. Acima de tudo, Trump usou o púlpito na ONU para ridicularizar a própria ONU, depois de ter ficado preso numas escadas rolantes a caminho do plenário, e para ridicularizar também as alianças que a ONU tem potenciado ao longo dos últimos 80 anos. Se dúvidas restavam, Trump está aí para as dissipar: a prioridade global hoje, como delineada pelo próprio, é a soberania individual de cada Estado-nação e igualmente o que cada uma delas tem a ganhar, em particular com os EUA de Trump. Dentro do país, a história é ligeiramente diferente. Depois do afastamento de Jimmy Kimmel do seu late night show, por causa de uma piada relacionada com o assassínio do influencer de extrema-direita Charlie Kirk, o comediante voltou esta semana à televisão americana , deixando a descoberto o quão fraturante foi todo este episódio, até, ou sobretudo, entre os conservadores que tendem a apoiar o Presidente Trump. Dentro do país, a história é ligeiramente diferente. Depois do afastamento de Jimmy Kimmel do seu late night show, por causa de uma piada sobre a "multidão MAGA" no rescaldo do homicídio do influencer de extrema-direita Charlie Kirk, o comediante voltou à televisão americana , pondo a descoberto o quão fraturante foi o episódio, até (ou sobretudo) para os conservadores que apoiam Trump. A reintegração de Jimmy Kimmel na grelha da ABC, escreve Tom Wheeler, do Instituto Brookings, um dos mais proeminentes think tanks conservadores da América, “não atenua as preocupações com a liberdade de expressão desencadeadas pela sua suspensão”. Até porque, como deixou claro o presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC), Brendan Carr, “ainda não acabámos” , os americanos devem esperar “uma mudança massiva na dinâmica do ecossistema de media” sob o que Carr classifica como “a estrutura de permissão que a eleição do Presidente Trump proporcionou”. Entre a barricada Trump foram muitos os que criticaram o afastamento de Kimmel, incluindo Ben Shapiro, Joe Rogan, Tucker Carlson e até mesmo membros do Congresso, como o senador Ted Cruz, que veio falar em manobras “semelhantes às da máfia” que representam “um caminho escorregadio” que abre um precedente grave, porque "o próximo presidente democrata que chegar à Casa Branca fará o mesmo e perseguirá todos os que estão à direita do centro". Face às repetidas sugestões de Trump de que a FCC deve revogar as licenças de canais e afiliados locais que teçam críticas à sua administração, “a estratégia Trump-Carr parece estar a remodelar o panorama mediático” rumo à concentração de poderes e influência favoráveis à atual administração, reforça Wheeler. “Em 2023, Carr escreveu nas redes sociais que a censura é o sonho dos autoritários” e, na época, muitos , incluido eu próprio, interpretaram isso como uma defesa da liberdade de expressão”, adianta o investigador do Brookings. “À luz das ações recentes, parece mais ser um roteiro: usar a censura e o poder da FCC para expandir o controlo autoritário.” E se mais provas eram precisas, de quinta para sexta-feira mais uma perseguição, resumida assim pela CNN internacional: "Depois de testar regularmente as barreiras da democracia americana no seu segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos está agora a ultrapassá-las , a um ritmo alucinante." Falamos das acusações formais a James Comey, o antigo diretor do FBI que investigou as ligações de Trump à Rússia de Putin durante o seu primeiro mandato. "Agora está a funcionar. Trump está a traçar publicamente o roteiro da retribuição, e o Departamento de Justiça está a segui-lo", destaca a CNN. "Os impulsos que antes eram controlados estão a ser postos em prática, e Trump está a fazer publicidade disso." No seu monólogo de regresso ao late night, que bateu recordes de audiência, Jimmy Kimmel não se coibiu de lançar larachas ao presidente, descrevendo-o como um "bully de filmes dos anos 80" e acrescentando: “Só Donald Trump tentaria provar que não está a ameaçar a ABC ameaçando a ABC.” Se dúvidas restavam, e como o discurso da ONU e as acusações a Comey ajudam a descortinar, a doutrina Trump está à vista de todos. Atrevam-se a rir dele agora. - Joana Azevedo Viana Netanyahu contra o mundo O primeiro-ministro de Israel já não se atreve a sobrevoar o espaço aéreo de países afiliados do Tribunal Penal Internacional (TPI). A Microsoft já não permite que o exército de Israel utilize os seus serviços tecnológicos e de Inteligência Artificial para a vigilância de palestinianos em massa. Espanha já não exporta armas para Israel e a Eslovénia já não vai deixar Benjamin Netanyahu entrar no seu território. Como declarou Nata a Pirc Musar, a presidente eslovena, no seu discurso na 80.ª assembleia-geral da ONU, que decorreu esta semana em Nova Iorque: “Não travámos o Holocausto. Não travámos o genocídio no Ruanda. Não travámos o genocídio em Srebrenica. Agora não há mais desculpas: temos de travar o genocídio em Gaza.” É essa a opinião de Yair Dvir, porta-voz da organização não-governamental israelita B Tselem que, no final de julho, acusou o próprio país de estar a cometer genocídio na Faixa de Gaza, onde mais de 65 mil pessoas já foram mortas em 23 meses , uma acusação secundada entretanto pela associação internacional de estudiosos de genocídio (IGAS) e por uma comissão independente mandatada pela ONU. Em entrevista à CNN Portugal, Dvir diz que o reconhecimento do Estado da Palestina por uma série de países, à cabeça Reino Unido e França, membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é um mero “primeiro passo” que de nada servirá sem se exercer real pressão sobre o governo Netanyahu , o mesmo Netanyahu que, mais uma vez, viajou até Nova Iorque para proferir um discurso desafiante no púlpito da ONU cheio de falsas alegações e imprecisões. “Foi um espetáculo de propaganda”, resumiu Amir Tibon, correspondente diplomático do jornal israelita Haaretz, em declarações à CNN no rescaldo do discurso, recordando que uma das mais recentes propostas para libertar os reféns ainda mantidos em Gaza , apresentada no verão pelos mediadores em nome do grupo palestiniano , “nem sequer mereceu resposta” do primeiro-ministro de Israel. Com uma sala quase vazia, após a maioria dos delegados da ONU ter abandonado a sala, Netanyahu garantiu que “isto ainda não acabou” e voltou a repetir que, “se o Hamas aceitar as exigências” de Israel, “a guerra vai terminar”. Já poucos acreditam nisso, sobretudo depois de membros do seu governo terem sugerido responder ao reconhecimento da Palestina com a anexação da Cisjordânia ocupada e não apenas da Faixa de Gaza. Na Casa Branca, Donald Trump garantiu a meio da semana que nunca aceitará a anexação da Cisjordânia, uma garantia que já teria dado no dia anterior a Emmanuel Macron numa reunião privada, na qual definiu esse plano como uma “linha vermelha” para os EUA, nas palavras do presidente francês. Assim que o discurso de Netanyahu terminou, Trump voltou a falar aos jornalistas sobre o assunto, dizendo que “um acordo para Gaza está muito próximo” , não é a primeira vez que o diz, mas desta vez há rumores de um plano concreto em cima da mesa que poderá passar por ter Tony Blair, o antigo primeiro-ministro britânico que decidiu pela invasão do Iraque há mais de 20 anos, a gerir o enclave palestiniano durante pelo menos cinco anos. Se haverá ou não um anúncio nesse sentido já este fim de semana é uma incógnita, mas uma possibilidade, dado o planeado encontro privado entre Trump e Netanyahu planeado para depois da assembleia-geral da ONU. Num vídeo divulgado antes de partir para Nova Iorque, o líder israelita já tinha prometido: “A resposta à recente tentativa de nos imporem um Estado terrorista no coração do nosso território será dada após o meu regresso dos Estados Unidos. Aguardem.” , Joana Azevedo Viana João Guerreiro Rodrigues https://cnnportugal.iol.pt/admiravelmundotrump/o-dia-em-que-trump-decidiu-que-a-ucrania-pode-vencer-o-tigre-de-papel-mas-nao-com-a-america/2025-09-27/68d52bdad34ee0c2fed086e4 [Additional Text]: Encontro entre Volodymyr Zelensky e Donald Trump à margem da Assembleia Geral da ONU (AP Photo/Evan Vucci) JAS 39 Gripen brasileiro (AP Photo/Andre Penner) Vista da refinaria de Moscovo do produtor de petróleo russo Gazprom Neft, na periferia sudeste de Moscovo (Natalia Kolesnikova/AFP/Getty Images via CNN Newsource) Donald Trump discursa na 80.ª assembleia-geral da ONU em Nova Iorque (Angelina Katsanis/AP) Conflito Gaza, Palestina João Guerreiro Rodrigues