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“GUERRA CIVIL” NO GOVERNO DE ISRAEL

Expresso

2024-04-19 06:00:08

Ministros da Defesa e da Segurança protagonizam luta interna. Ambições de um e extremismo de outro são os motores Cada coligação governamental tem as suas divergências. Em Telavive, os típicos comentários velados foram substituídos por ataques sem filtros. Nos bastidores do gabinete de guerra de Benjamin Netanyahu, dois ultranacionalistas têm-se atacado mutuamente, com a expansão dos colonatos ilegais e o seu futuro político no foco das tensões no centro do Executivo. Segunda-feira, o polémico ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, pediu o afastamento do seu colega da Defesa, Yoav Gallant, por considerar que o desmantelamento de um colonato na Cisjordânia é “uma derrota”, citou “The Times of Israel”. Em fevereiro, Gallant dizia que Ben-Gvir “não faz parte da liderança que toma decisões” em questões de segurança. Tiago André Lopes, professor na Universidade Portucalense, fala ao Expresso de “uma guerra de espadachins”, fomentada pelas ambições políticas e expansionistas de Ben-Gvir e dos ultraortodoxos que lidera. “Só conseguimos entender Ben-Gvir se nunca esquecermos que é ultraortodoxo e não olha para a política como nós e como Gallant, ou mesmo Netanyahu, numa lógica racional do custo-benefício, antes numa lógica de missão quase teológica.” O Governo inclui sete partidos, incluindo vários de extrema-direita sionista, sendo difícil uma mudança sem eleições. “É uma maioria de 61 deputados, e são precisos 61 para se constituir como maioria, portanto qualquer partido que saia fará cair o Governo”, explica o docente. Ben-Gvir vs. ONU A crítica de Ben-Gvir a Gallant surgiu após novo ataque na Cisjordânia, no fim de semana passado, num posto militar ilegal israelita a norte da “capital” administrativa palestiniana, Ramallah. Um israelita de 14 anos desapareceu (veio a ser encontrado morto) e colonos radicais atacaram aldeias, acabando por matar um palestiniano e ferindo dezenas. Apesar dos avisos de Washington e de entidades internacionais, Ben-Gvir, chefe dos polícias desde 2022, tem lutado por uma política de expansão dos colonatos ilegais na Cisjordânia (forma de ocupação denunciada pela ONU) e tem promovido o uso da violência para expulsar palestinianos da sua terra e construir mais colonatos. Em fevereiro, disse que o exército devia disparar sobre crianças e mulheres em Gaza, sugerindo que são “terroristas escondidas”. “Tem sido problemático, porque sinaliza aquilo em que Israel não quer que a comunidade internacional se foque: ausência de vontade de avançar para a solução dos dois Estados. Entende que tem direito bíblico àquele território e que o que Deus lhes deu não será o direito internacional a retirar-lhes”, explica Lopes. Gallant opõe-se a uma política tão expansionista. Em agosto de 2023, quando Ben-Gvir pediu mais postos de controlo israelitas na Cisjordânia, o ministro da Defesa disse que o extremismo de colonos é “uma ameaça perigosa”. Em dezembro, condenou novos ataques de milícias armadas e, em janeiro, reiterou que não vai permitir a construção de colonatos na Faixa de Gaza. Israel matou mais de 33 mil palestinianos na Faixa de Gaza desde 7 de outubro; mais de 76 mil estão feridos e muitos desaparecidos, além dos dois milhões de deslocados. No interior de Gaza, continuam 130 reféns do Hamas. Ben-Gvir “entende que a campanha militar poderia estar numa outra dimensão se Gallant não fosse tão cauteloso”, explica o especialista ouvido pelo Expresso. O titular da Defesa também quer presença mais musculada em Gaza. Em janeiro, apresentou que passava por uma ocupação semelhante à da Cisjordânia. “Gallant gostaria que qualquer solução tivesse a sua assinatura e não a de Netanyahu. Apesar de defender a incursão sobre Rafah e ações mais robustas, sabe que os Estados Unidos não vão permitir, e esse é um custo que não está disposto a pagar.” A ascensão de Gallant no partido Likud (direita) pode não ficar por aqui. Netanyahu é cada vez mais contestado e, prevê Tiago André Lopes, o ministro da Defesa “prepara-se para se apresentar ao Likud como alternativa”. “Quando este Governo vier a cair, Netanyahu terá de enfrentar a Justiça e dificilmente ganhará uma eleição.” Sendo improvável uma maioria estável da oposição, há forte hipótese de o Likud voltar ao poder “daqui a um ano e meio ou dois”, explica. Mesmo com eleições antecipadas, o cenário dificilmente ficará menos tenso. Lopes sublinha que, apesar de “algum clamor nacional, sobretudo urbano, a pedir uma viragem política”, existe um “crescimento da extrema-direita ultraortodoxa e ultraconservadora em Israel”, onde “os partidos do centro estão a perder tração e força negocial”. “Nos últimos sete anos, Israel atravessou quase dez eleições. Em cada uma temos visto transferência de votos entre os dois partidos do centro, mas os de extrema-direita e alguns de extrema-esquerda têm reforçado a votação”, refere o professor. Além disso, há “um jogo de médio prazo” a fazer, já que a população ultraortodoxa tem crescido exponencialmente e “dentro de 10 ou 20 anos, poderá ficar acima dos 21%”. “Forças de extrema-direita e extrema-esquerda têm reforçado a votação”, frisa o perito Tiago André Lopes Celebrações em Teerão, domingo passado, após o ataque da República Islâmica contra Israel FOTO MAJID SAEEDI/GETTY IMAGES HÉLIO CARVALHO